“Tá de chico?" O tabu da menstruação e a pobreza menstrual

Como o tabu, desinformação e como isso afeta na questão da pobreza menstrual

Por: Rayan Martin, Beatriz Dantas e Livia Labanca

Pobreza menstrual

 

“Uma mulher que não tem condições de ter uma higiene adequada até pede comida se estiver faltando em casa, ela pede o básico para os filhos, mas ela não vai pedir um absorvente”, afirma a ginecologista Meiry Marques, de Guaxupé (MG). Ela mostra como a menstruação ainda é um grande tabu no Brasil, o que junto com os preços altos dos produtos de higiene e cuidado pessoal, faz com que muitas pessoas não consigam o mínimo para ter dignidade menstrual.

Não falar sobre a menstruação já é um jeito de dizer algo sobre ela. Isso significa que não colocar o assunto em pauta aumenta a desinformação, de modo que atinge tanto quem menstrua quanto o restante da população. Além disso, ajuda a perpetuar os preconceitos e tabus relacionados a isso no dia-a-dia. Essa junção entre a desinformação, o preconceito e a falta de recursos é o que se chama de Pobreza Menstrual.

 

Um problema maior do que se imagina

A pobreza menstrual é um problema que atinge principalmente pessoas negras, de periferia e presidiárias, de acordo com relatório da UNICEF. A situação acontece devido à falta de acesso a itens de higiene íntima e de estrutura para poder se cuidar e até mesmo de informações sobre a menstruação, o que pode gerar uma série de problemas como infecções. Segundo a médica ginecologista Meiry Marques, em um primeiro momento, as consequências podem ser simples e localizadas, mas com o tempo podem evoluir para uma infecção interna muito grave, causando até mesmo a infertilidade.

 Segundo dados da ONU, a média global de meninas que faltam às aulas devido a problemas relacionados à pobreza menstrual é de 1 em cada 10. No Brasil, a média é de 1 em cada 4 meninas.

 A falta de acesso a itens como absorventes está intrinsecamente ligada à questão financeira, uma vez que, uma pessoa gasta em média 6 mil reais durante toda sua vida fértil, além de absorventes serem taxados em 27,5%, um valor superior a tributação de itens não essenciais, isso expõe todo o tabu acerca da menstruação.

A professora de geografia Paloma Oliveira que leciona na Escola Estadual Rodrigo de Castro Moreira Pena, uma escola da periferia de Santa Bárbara (MG), conta que frequentemente as alunas pediam absorvente pois não tinham condições para comprar. “Na escola até temos absorventes, mas o problema de verdade é não ter em casa”, explica. E isso se repete para mais de 4 milhões de pessoas que não têm acesso a itens mínimos de cuidados menstruais na escola, e das 713 mil meninas que vivem sem acesso a banheiro ou chuveiro em seu domicílio, segundo dados do UNICEF. 

 

A desinformação e o tabu da menstruação

Além da questão financeira e estrutural, a pobreza menstrual está muito ligada também à desinformação em relação à menstruação. O que é intensificado devido ao assunto ainda ser tratado como tabu. Isso pode ser percebido na mídia e no marketing, quando se nota que em propagandas de absorventes nunca é mostrado a representação do sangue menstrual vermelho, ou quando são colocadas situações em que mulheres estão usando calças brancas e se envergonham das manchas, sempre associado à slogans que remetem ao fato de que com aquele produto será possível esconder aquilo que  “envergonha”.

Assim, grande parte das pessoas não conversam sobre e consequentemente não há o conhecimento necessário para combater os problemas relacionados à higiene correta e à naturalização da menstruação. A professora Paloma conta as dificuldades enfrentadas em sala de aula como a percepção de que algumas alunas não sabem o que está acontecendo com seu próprio corpo e só descobrem o que é a menstruação por meio de outra colega que já menstruou. A escola não atua na problemática, nem com os alunos e nem com os pais ou responsáveis.

A menstruação é comumente associada a um período sujo, a falta de higiene. Expressões como “estar de chico” ou “naqueles dias” são usadas para se falar sobre o ato natural de se menstruar. Essas associações trazem desconforto e vergonha às jovens. “Já aconteceu de precisar ensinar uma aluna como colocar o absorvente na escola pois ela nunca teve instrução ou diálogo sobre o assunto em casa”, reforça a professora. Esse tipo de relato expõe a problemática da pobreza menstrual e como é necessário combater o problema principalmente através de políticas públicas.

 

Políticas públicas para o combate à pobreza menstrual

            É difícil notar políticas públicas para assuntos que não são discutidos. Ao falar sobre distribuição de absorventes gratuitos isso fica mais claro, pois aparecem comentários relacionando os cuidados com a menstruação a algo supérfluo - principalmente de pessoas que não menstruam, da mídia e também nota-se com base na tributação dos produtos - como se higiene pessoal não fosse algo relevante para ser caracterizado como cuidado básico, sendo que, mais da metade da população brasileira lida com isso em grande parte da vida.

Pensando em propostas a nível federal, a deputada federal Tábata Amaral (Sem Partido) propôs em março de 2020 a distribuição gratuita de absorventes higiênicos por meio do PL 428/2020. Porém, o projeto de lei segue em tramitação na câmara dos deputados.

Justamente por não haver uma ação que atinja todo o território nacional, tem existido mobilizações em torno da causa em diversos municípios. Cidades como Divinópolis e Ouro Preto, ambas em Minas Gerais, já possuem projetos para amenizar o problema. Em Divinópolis, as vereadoras Lohanna França (Cidadania) e Ana Paula do Quintino (PSC), através de sugestão do prefeito Gleidson Azevedo (PSC), propôs o já aprovado projeto de lei da Dignidade Menstrual, que contou com a arrecadação de 10 mil absorventes em menos de 1 mês. O projeto tem como objetivo a conscientização acerca da menstruação visando combater a precariedade menstrual com diversas ações: entrega de absorventes, distribuição de cartilhas, etc. Em Ouro Preto, o mesmo aconteceu através da vereadora Lilian França (PDT), única mulher da câmara municipal, que também propôs um projeto de lei, que surgiu da Universidade Federal de Ouro Preto, para o combate à problemática da menstruação. “Estamos amadurecendo a ideia de comprar para a cidade uma fábrica de absorventes”, conta a vereadora.

 

ONGs

            Além de propostas governamentais, pessoas e entidades fora da esfera política fazem a diferença propondo soluções e combatendo o problema onde podem.

É o caso da ONG Sangue Nosso, de Fortaleza, que tem realizado a distribuição de absorventes e kits básicos de higiene para pessoas em situação de vulnerabilidade, não só nessa região, como também em outras áreas. Essa atuação é voluntária e funciona a partir de doações que são revertidas para as compras dos itens necessários, no kit há um sabonete, duas máscaras, uma calcinha, dez absorventes, papel higiênico, pasta e escova de dentes. Com esse projeto já foram entregues cerca de 20 mil itens para garantir a dignidade menstrual básica para quem recebe, de acordo com Larissa Maia, idealizadora da ação.

A marca de coletores menstruais Violeta Cup também pensou em soluções. Em conjunto com a ONG Plan International é realizada a doação de coletores menstruais em Codó, no Maranhão, em locais onde as pessoas que menstruam terão condições de higienizar o objeto, como por exemplo, o acesso à água. Os coletores são uma das novas opções ecológicas e mais higiênicas para o período menstrual de pessoas que menstruam e também ajuda a longo prazo, pois tem vida útil de no mínimo 3 anos, enquanto um pacote simples de absorvente pode durar  menos de um mês.