Arte Marianense: um legado de gerações

 Entenda como a arte barroca continua presente nos ateliês de Mariana-MG e como essa tradição ecoa no dia a dia da cidade

Por: Carlos Nascimento e Wanessa Sousa

Descrição: Esculturas e talhas do artista Hélio Petrus VianaObras do artista Hélio Petrus Viana, em exposição em seu atelier, em Mariana.Captura de tela. Instagram https://www.instagram.com/heliopetrus/ 

Primeira cidade de Minas, Mariana guarda uma parte considerável do patrimônio histórico, cultural e religioso do Brasil. Entre seus monumentos arquitetônicos, igrejas e sinos, há, também, uma arte que predomina e marca presença nos altares, na decoração das casas e até mesmo nas “lembrancinhas” compradas pelos turistas: O barroco mineiro. 

Por ter sido sede do primeiro bispado no interior do Brasil,  a partir do Ciclo do Ouro, a então Vila do Carmo acolheu diversas irmandades religiosas que, com o patrocínio da mineração aurífera, construíram capelas e igrejas que até hoje compõem um visual memorável na cidade. Para a construção desses templos e até mesmo para a urbanização geral da cidade, os  artesãos, escultores e mestre de obras contratados, tornaram-se grandes artistas, deixando a Arte Sacra como um legado que se conserva até o presente, no município.

De acordo com o cônego Nedson Pereira de Assis, pároco da Catedral de Mariana e diretor do Museu de Arte Sacra da cidade, “a arte sacra vai além da imagem, ela conduz ao sagrado, é como uma escultura que leva para além do que pode ser visto. É produzida pelo homem para o seu encontro com Deus.”

Dentre os  produtores dessa arte ao longo dos séculos, destacam-se Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, e o marianense Manuel da Costa Ataíde. Nomes que deixaram seus ensinamentos para novos artistas em diferentes épocas e segmentos. 

Mariana, ao longo do tempo, ressignificou seu fazer artístico e passou a dar espaço para novas produções, criando novas razões para que a arte continue presente na cidade. Diante desse cenário, há, também, o Neobarroco, que é retomado e passa a ser representado por novos escultores locais. 

O Neobarroco de Hélio Petrus

 

Escultor Hélio Petrus Viana em seu atelier, em Mariana.
O escultor Hélio Petrus Viana em seu atelier, em Mariana. Foto: Carlos Nascimento

 

Filho de Minas Gerais, Hélio Petrus Viana, 78, produz arte há mais de 50 anos. Escultor autodidata, ele vive em Mariana (MG) e conta que a primeira fonte de inspiração para que pudesse começar a esculpir foi a cidade barroca. De formação seminarista, Hélio diz que a influência para o barroco vem dessa experiência no seminário: “Eu assistia as celebrações e ficava namorando os santos”, recorda-se. Mais tarde, no curso de graduação em Letras, sua turma escreveu uma monografia sobre Aleijadinho que o entusiasmou sobre a obra do artista e o fez questionar se seria capaz de criar algo semelhante. 

Petrus começou a fazer os primeiros trabalhos na madeira, uma arte ainda popular. Com o tempo, passou a contar com a ajuda de “jovens talentosos” em seu atelier, o que o possibilitou aprimorar o trabalho e conseguir aumentar a produção. Em contraste com a arte Barroca, em que as obras apresentam uma expressão mais “carregada”, Hélio é um dos pioneiros do Neobarroco na atualidade, e as suas obras trazem, além de imagens com as feições mais serenas, também ressignificações de símbolos, com pequenas trocas de elementos nas esculturas de santos. 

O escultor, que sempre viveu da arte, acredita já ter criado mais de cinco mil obras e diz que, para se tornar bom naquilo que produz, é necessário unir o talento ao esforço, pois os processos são delicados e exigem dedicação. Para ele, o trabalho precede a inspiração, então é preciso começar a trabalhar para que a “iluminação” venha.

Hoje, ele é um dos grandes nomes da arte sacra não só de Mariana, mas também do Brasil, e coleciona exposições em diversas partes do país, com admiradores como o Padre Fábio de Melo.

Anjos Querubins de Hélio Petrus, em exposição no seu atelier, em Mariana.
Anjos Querubins de Hélio Petrus, em exposição no seu atelier, em Mariana. Captura de tela. Instagram https://www.instagram.com/heliopetrus/

 

Edney do Carmo e a arte que precisa ser passada adiante

Edney do Carmo em seu atelier, em Mariana.
Edney do Carmo em seu atelier, em Mariana. Foto: Wanessa Sousa

Assim como Hélio, Edney do Carmo Silva, 45, é também um escultor autodidata. Marianense e filho de marceneiro, Edney conta que por ter sido inserido na Igreja Católica desde a infância, seu interesse pela arte veio por meio da observação. Ele foi guia de turismo e, a partir disso, teve a oportunidade de fazer três cursos de extensão promovidos pela Universidade Federal de Ouro Preto no ano de 1992, sendo eles: História Geral da Arte, Barroco Brasileiro e Barroco Mineiro. Esses cursos deram uma base de conhecimento teórico para o tema que o artista já se interessava e começava a praticar.

Edney diz que a influência de seu pai marceneiro se deu em orientá-lo sobre questões práticas de trabalho e também sobre como manusear as ferramentas, mas a sua aprendizagem se deu de forma individual. Assim, ele passou a produzir suas obras e divulgá-las por meio do trabalho com o turismo, já que havia observado que esse era, inclusive, o público consumidor desse tipo de arte na cidade.

Ao longo de sua trajetória, fez obras variadas e contribuiu com artistas como Hélio Petrus até que pudesse montar seu próprio atelier. Hoje, Edney se consolidou no mercado, vive das suas próprias produções e organiza oficinas para passar seus conhecimentos adiante. “Com o passar dos anos, eu fui criando produtos. Atualmente, eu atendo mais de mil alunos por ano e, além de fazer atendimentos com palestras, eu comecei a fazer oficinas, porque uma das coisas que eu sempre tive vontade de desenvolver foi um trabalho alternativo com cunho artístico sem um tempo elevado”, relata. 

O escultor também faz um projeto de arte sustentável, por meio da recuperação dos resíduos que ele utiliza nas suas obras com cola PVA. Ao conseguir expandir a produção em curto prazo, ele oferece esse material nas oficinas.

Para os atendimentos, ele construiu um espaço em seu atelier com bancadas que permitissem a realização dos trabalhos de forma mais dinâmica. Edney conta que sente que a sua missão está sendo cumprida pois não segura o conhecimento “Quando eu estava iniciando, as pessoas recusaram a me ensinar e não se ofereciam para nada. O sentido de não se ensinar a fazer um trabalho vem de uma vontade de não ter uma concorrência, mas existem coisas que são iminentes. Eu trabalho com ajudantes e sempre os incentivei a ter uma produção em larga escala, porque penso que quanto mais pessoas trabalhando na área, maior a busca pela cidade com relação a determinada atividade.”

Edney do Carmo no espaço onde realiza as oficinas.
Edney do Carmo no espaço onde realiza as oficinas. Foto: Wanessa Sousa

As dificuldades de viver da arte
 

Para que a arte possa sobreviver, é necessário que ela seja consumida. Em Mariana, a maior parte do público comprador de arte vem do turismo e, com os acontecimentos dos últimos anos, esse recurso tem se tornado instável no município. Desde o Rompimento da Barragem de Fundão, em 2015, Mariana enfrentou, além das dificuldades sociais e ambientais provocadas pelo crime, uma resistência ao turismo. De acordo com Ari Eustáquio Antunes, 77, entalhador aposentado que produz oratórios na cidade, "depois do desastre da barragem você não via ninguém em Mariana, nenhum turista. Quando o turista começou a vir para cá, vinha com a sacolinha de plástico cheia de garrafinha de água, porque achava que a água daqui estava com lama.”  

Cinco anos após a tragédia socioambiental que atingiu vários distritos, entre eles,  Bento Rodrigues, outra crise assola, não só a cidade, mas também o mundo todo: a pandemia de covid-19.  Segundo Geraldino Pereira da Silva, 44,  pintor local e presidente da Associação Marianense de Artistas Plásticos (AMAP), com a pandemia, a associação, que tem por objetivo reunir artistas locais e dar suporte para as suas produções,  ficou meses no vermelho, sem dinheiro no caixa. “Eu sei como foi difícil passar a pandemia estando à frente de uma instituição como essa. Eu tive que tirar dinheiro do meu próprio bolso muitas vezes, porque não tinha como. Tudo que o artista faz é aglomeração, ele precisa de público.” 

E esse público tem se tornado uma das maiores dificuldades para quem produz arte sacra na cidade. Geraldino e Petrus observam, de forma semelhante, que o público consumidor dessa arte é muito específico, uma vez que, para adquiri-la é necessário conhecer o estilo, se interessar e ter poder aquisitivo para comprar.
 

A arte (R)existe em Mariana

Entre desafios e pouca assistência, a arte sacra é uma parte do patrimônio preservado por Mariana. Essa arte carrega consigo a história das pessoas que partilham das suas vivências e colocam um pouco de si em cada um dos processos de produção das obras, desde a  preparação da madeira até os entalhes e as pinturas.

De acordo com Cristiana da Silva Navarro Francesconi, 28, historiadora de arte sacra, "a arte é essencial para Mariana, pois ela atrai turismo e é essencial para a economia, porque ela gera empregos. Se existisse uma Escola de Belas Artes na cidade, mais oportunidades viriam. Independente das religiões, essa é uma questão cultural, nós respiramos cultura, a nossa essência é cultura e a gente precisa preservar isso através da arte sacra.”

Cristiana cita a necessidade de uma Escola de Belas Artes, pois esse é um desejo antigo atribuído ao marianense Manuel da Costa Ataíde, mestre que tinha a vontade de ver uma escola de arte na cidade. A exemplo dele, Hélio, Edney e Geraldino compartilham, cada um a seu modo, seus ensinamentos e encontram uma forma de passar adiante o legado de técnicas seculares deixado por outros artistas. A historiadora diz que é necessário “que a gente não deixe que a entrega e a memória de Aleijadinho, Ataíde e todos os outros mestres seja apagada”. “É preciso preservar o patrimônio que foi feito com dedicação e cuidado e é preciso, também, trabalhar para continuar fazendo parte dele”, finaliza.