Com garra e amor, clubes marianenses de várzea driblam dificuldades para sobreviver

Por Lucas Barbosa e Marcos Inacio

capaDevido à forte chuva, Olimpic e São Caetanense tiveram de lidar com um encharcado campo na final do Municipal de Mariana de 2019. Foto: Lucas Barbosa

No Brasil, o esporte mais popular é o futebol. Isso se reflete na população, afinal, quase todo bairro do país possui um campinho, seja ele de terra ou grama, o suficiente para os moradores se divertirem com uma bola no pé, a famosa várzea. Esse fenômeno, presente em quase todos os cantos do território nacional, encanta a quem se envolve, mas também sofre com diversas dificuldades. Em Mariana, não é diferente. A tradição municipal varzeana  caminha, lado a lado, com as turbulências enfrentadas pelos clubes da cidade e eles precisam suar para se manterem.

Fato é que os clubes amadores de futebol dependem diretamente de voluntários. “A gente sempre depende da ajuda dos nossos amigos”, palavras do presidente Reinaldo Pinheiro, do São Caetanense, vice-campeão de 2019. Conviver com estes percalços é a realidade dos times marianenses. Por isso, os gastos precisam estar controlados entre transporte, alimentação e material esportivo.

Porém, nem sempre há orçamento para isso, como no caso das chuteiras, por exemplo. Em condições de gramado desfavoráveis, os jogadores precisam de outras, que são emprestadas pela Prefeitura, como ressalta a auxiliar administrativa da Liga Esportiva de Mariana (Lema), Dielly Ferreira. “Tem a questão de materiais. Igual ao campo do Cabanas, por exemplo, onde não se pode jogar com qualquer tipo de chuteira, precisando assim de uma adequada para jogar e não tem orçamento pra comprar o calçado aos atletas. Então, a prefeitura acaba emprestando-as”. 

No quesito transporte, o principal custo é com o deslocamento dos atletas que vêm de outras cidades, mesmo que não recebam, efetivamente, para jogar. Juninho, atacante do Olimpic, veio de Ponte Nova para atuar e fazer gol na final do Campeonato Municipal de 2019 e agradece o esforço que foi feito para sua mobilidade. No fim das partidas, sempre há uma confraternização regada à comida, bebidas e muita resenha, ora bancada pelo próprio time, ora com ajuda de comerciantes.

juninhoDestaque ofensivo do Olimpic, atacante Juninho saiu de Ponte Nova para ser fundamental no título vermelho - Foto: Lucas Barbosa

Até o campeonato deste ano, todos os clubes, independentemente de divisão ou patamar, recebiam da Prefeitura de Mariana o mesmo valor antes do início das competições: R$ 6 mil. Antônio Guimarães, diretor do Olimpic, relata que este montante cobriria os custos de apenas três jogos. Desta forma, vem sendo decidido entre Lema e clubes uma alteração no pagamento, para que o dinheiro seja melhor empregado. A nova fórmula irá repassar aos times as quantias conforme forem avançando no Campeonato Municipal. Segundo José Pereira, diretor de esportes da Lema, não é justo que um time que caia na primeira fase receba o mesmo porte que um finalista. Além disso, a pedido do prefeito Duarte Júnior, o investimento em categorias de base também será um fator determinante para a aplicação financeira que será feita às agremiações.

lemaSegundo José Pereira, a atual gestão da Lema tem sido muito importante para seus 33 clubes filiados. Foto: Lucas Barbosa

Receitas

Entretanto, esse valor financiado não é suficiente. Desta maneira, as instituições buscam formas para gerar receitas. No tocante ao atual campeão, o Olimpic, como explica Antônio Guimarães, aluguéis de espaços do clube, como salão para festas e campo society, são fundamentais. Além disso, a organização de festas, como a tradicional Hora Dançante, também são pilares para a sobrevivência da equipe. Todavia, nem todos os clubes têm  essa possibilidade, como é o caso do São Caetanense. Segundo o presidente do time, o instituição não promove bailes e festas pela falta de um espaço físico adequado.

Outras fontes de renda são as colaborações de pessoas e patrocínios. Como explica o mandatário do São Caetanense. Ele diz que existem torcedores que conseguem colaborar com quantias para as realizações das faladas resenhas. Ademais, camisas e calções de jogo, quase sempre, são frutos de patrocinadores.

Amor à camisa

É comum que na várzea falte dinheiro, estrutura, qualidade, mas jamais faltará paixão, é isso que a mantém. No caso dos clubes finalistas deste ano, é possível notar um envolvimento gigante das pessoas com os clubes. Amor genuíno. Por exemplo, o presidente do Olimpic, Geraldo Lalosca. Bastante conhecido, o dirigente é aclamado por jogadores, diretores e torcedores, que enxergam nele a razão da fortaleza do time vermelho. Como explicita Antônio Guimarães: “Eu sou de Mariana, o Olimpic só tinha um campo e um terreno, depois que o Lalosca assumiu, mudou a história do clube. Hoje é grandioso e não deve nada a ninguém”.

taçaJogadores do Olimpic comemoram o título do Campeonato Municipal de Mariana de 2019. Foto: Lucas Barbosa

Pelo lado azul da história, não é diferente. Além da garra dos dirigentes, jogadores e comissão técnica, o São Caetanense, clube de 99 anos, conta com uma apaixonada e calorosa torcida. Na final, a barulhenta Charanga de Monsenhor Horta saiu do distrito para engolir o estádio adversário e fazer a festa. Com seu povo do lado, o time azul e branco nunca estará sozinho.

charangaDiretamente de Monsenhor Horta, a fanática torcida azul e branca alentou a equipe durante os 90 minutos. Foto: Lucas Barbosa

O fundamental papel da LEMA

Apesar de tudo, os clubes marianense conseguem, pelo menos, contar com o auxílio da prefeitura e com a organização da Lema. Afinal, a Liga proporciona aos clubes um calendário bem definido com o Campeonato Municipal, a Taça Mariana e competições de base. Primeira liga esportiva do estado de Minas Gerais, a tradicional instituição é responsável pela promoção dos torneios, arbitragem e melhoria no futebol local. Segundo José Pereira, dirigente da Lema, a organização é independente, mas recebe subvenções do poder executivo municipal. Os valores são de R$ 130 mil para a Liga produzir as competições e cerca de R$ 180 mil para serem divididos entre os 33 clubes filiados, R$ 6 mil para cada time. Além disso, a instituição marianense é filiada à FMF, Federação Mineira de Futebol, que organiza as principais competições de futebol em Minas Gerais.

arbtrNa final, os clubes tiveram o privilégio de uma arbitragem comandada por juiz e assistentes filiados à Confederação Brasileira de Futebol e à Federação Mineira de Futebol. Foto: Lucas Barbosa

Tradição, legado e orgulho: três características que sustentam o futebol de várzea, não só de Mariana, mas também por todos os cantos do globo. As dificuldades fazem parte, mas a paixão pelo esporte mais famoso do planeta é capaz de superá-las.