Covid-19: impactos do "novo normal" na terceira idade

A visão de idosos e especialistas sobre a pandemia que tirou um dos bens mais preciosos para o ser humano: a vida social 

Por: Luísa de Cássia

As dificuldades enfrentadas pela terceira idade vão desde a realização de tarefas cotidianas até fortes impactos emocionaisEra final de 2018 quando Valdeci Santiago de Sousa descobriu um aneurisma cerebral. Com os exames pré-cirúrgicos já realizados, em março de 2020 ele recebeu a notícia de que seu procedimento de retirada havia sido cancelado devido à pandemia. Os próximos dois anos tentando, sem sucesso, manter contato com o médico foram de angústia para o homem de 76 anos. Assim como Valdeci, vários idosos enfrentam dificuldades no cotidiano devido à covid-19.

Rute Rosa, 58, e José Gonçalves Siqueira, 69, encararam, além da pandemia, desafios pessoais. Ela se separou do marido e precisou sair de casa para morar com a filha, vivenciando episódios depressivos. Ele se aposentou e trocou uma rotina de intenso trabalho por uma vida calma até demais, na qual seu único trabalho é levar e trazer o neto da escola.

Inês Alves Silveira, 69, que já morava sozinha, relata as dificuldades de reduzir ainda mais seu convívio social: "Eu não entrei em depressão, mas quase, eu chorava muito por estar sozinha". Iracilda da Consolação Alves, 62, irmã de Inês, teve covid-19 e também se sentiu muito só quando seus netos, que moram com ela e não foram contaminados, precisaram ficar na casa de outras pessoas. Suas outras irmãs, Ivone Alves Silveira e Sousa, 73, e Ivanilda Mônica Alves da Silva (63), compartilham a saudade de se reunir com a família e a preocupação, não com a própria saúde, mas com a das pessoas amadas.

Iracilda com sua filha e seus netos (Foto: Lucas Gouveia)O psicólogo Lucas Monteiro Pellá relata a procura da terapia por idosas para lidar com o luto, não só pela perda de pessoas próximas, mas também com o luto da rotina, que sofreu intensas modificações. Ele comenta, ainda, a importância que a vida social tem para os idosos: “É importante por ser um lugar de encontros afetivos, vínculos e potência de vida, no sentido de manter o desejo pela vida para um público que já tem questões com isso, porque muita gente chega no envelhecimento sem querer estar vivo, com alguma intenção suicida, algum sofrimento psíquico ou não desejando mais viver, por várias razões.”

O profissional considera marcante o caso de uma idosa que já tinha sinais prévios de depressão e fazia tratamento a longo prazo, mas apresentava muitas queixas de sintomas que remetiam a uma demência, como confusão mental, esquecimento e perda da capacidade de realizar certas tarefas. Apesar dos antecedentes familiares e da idade de risco, ele aponta a pandemia como possível fator que desencadeou precocemente a doença. “Era uma idosa que tinha muitos vínculos sociais. Uma forma de ela conseguir lidar com os muitos lutos que ela teve ao longo da vida era essa vida social que ela tinha. Quando isso acabou, ao longo da pandemia, ela se deprimiu totalmente”, relembra Lucas.

Ele acredita que a perda da vida social acarreta também a perda do estímulo, das funções cognitivas e, por conseguinte, do desejo de viver. “Conforme ela foi se vacinando, [fomos] encorajando e pensando algumas estratégias de retomar essa sociabilidade, por entender que isso ia ser bom para a saúde dela e para essa questão cognitiva também. Mas o que mais me chamou a atenção foi pensar como essa pandemia, com tudo o que aconteceu, pode ter aumentado o número desses casos demenciais precoces.”

Elisabete Raquel Ferreira, Ana Lucia Veiga Zittlau e Rosana de Oliveira Gomes, técnicas de enfermagem na Unidade Básica de Saúde Cidade Jardim, em São José dos Pinhais/PR, relatam um comportamento depressivo em pacientes idosos por conta da solidão e, principalmente, da perda de pessoas próximas. Relembram o caso de um homem que perdeu seu filho e sofreu, além da depressão, com aspectos da saúde física, como a pressão e a diabetes descontroladas, e também de um pai que perdeu a filha e o genro, e chorou durante a consulta. Elisabete acrescenta a tristeza de ter perdido pacientes por conta da covid-19: “Às vezes o paciente fica um tempo sem vir, e achamos que é por causa da pandemia, né? E acabamos perdendo o paciente”.

A maior tristeza na UBS Cidade Jardim é, no entanto, a perda de Cleomar Amaro Martins, médico que trabalhava na unidade há sete anos e faleceu aos 71 anos devido a complicações da covid-19. “De tudo que a gente passou na pandemia, de tudo que a gente acompanhou, de todas as queixas dos pacientes, tudo isso, o que tirou o nosso chão foi a perda do doutor Cleomar”, diz Elisabete.

Para ultrapassar as dificuldades que a pandemia inseriu na saúde mental, os idosos desenvolveram métodos de escape, por meio de novos hobbies ou pela intensificação dos antigos. José, além das obrigações com a locomoção do neto, divide seu tempo assistindo esportes e tocando acordeon. Rute se tornou fiel ao aplicativo de streaming Netflix. Solange Marloch (62), no início, não fazia nada, mas começou a fazer ginástica e, quando tomou a vacina, passear mais e conhecer pessoas.

Iracilda investiu no trabalho doméstico e no artesanato, e também colocava músicas em casa para dançar com sua filha e seus netos. Ivanilda compartilha o amor pelo artesanato, faz crochê e tricô; além disso, canta em dois corais, estuda música no conservatório e faz psicoterapia. Ivone teve mais tempo para ler, fazer palavras cruzadas, ouvir música e ficar junto com o marido. Já Inês comenta a importância de seus pets, as cadelas Brisa, Hanna e Juju e as aves carinhosamente chamadas de “cocotinhas”: “Meus animais, se eu não tivesse eles, eu estaria pior. São minhas companheiras para conversar".

Inês, Juju, Brisa e Hanna (Foto: Eva Gouveia)A vacina é a esperança para todos os entrevistados, que apesar de compreenderem que a pandemia ainda não acabou, não vêem a hora de voltar a suas atividades normais. Reencontrar a família é o desejo principal, mas cada um sonha em reviver diferentes momentos, assim que for possível.

Ivone, bastante católica, comemora que já pode frequentar a missa, com máscara e distanciamento. Mas ainda sente muita falta dos diversos grupos da Igreja que costumava frequentar. Além disso, não vê a hora de poder voltar a participar das excursões organizadas para idosos em sua cidade.

Ivone sendo homenageada pelo pároco de Bom Sucesso/MG, Frei William, pela participação em um dos movimentos da paróquia, em 2017 (Foto: Acervo pessoal)Ivan Alves Silveira (72) está animado para voltar a tomar, com moderação, sua cervejinha. Solange torce para, quando a pandemia acabar, já ter juntado uma quantia para viajar. José não vê a hora de ir para o interior novamente.

Ivanilda quer muito voltar às aulas presenciais no conservatório, onde não é permitido o uso de máscara devido à necessidade de observar os movimentos e a técnica dos alunos. Ela se forma em 2022.

Iracilda mal pode esperar para dançar em festas, e leva do período de isolamento e da doença a lição de que “a gente tem que viver cada minuto como se fosse o último, porque uma nova pandemia pode surgir”.

Já Valdeci, satisfeito por estar vacinado, conseguiu trocar de médico e descobriu que, pelo tamanho do aneurisma, não vale a pena intervir cirurgicamente. Está fazendo acompanhamento e muito feliz por ter essa preocupação tirada de seus ombros. O retorno de suas atividades normais na Maçonaria após a pandemia é o que mais o anima.

Valdeci em Sessão Solene de Elevação de Grau de um irmão maçom, em 1998, na Loja Maçônica Liberdade e Justiça número 41, em Bom Sucesso/MG (Foto: Acervo pessoal)