Por Ana Júlia Portela
Com o final de 2021, muito se fala sobre o carnaval de 2022, e principalmente sobre a possibilidade de ser o segundo ano consecutivo sem a realização de eventos, sejam eles gratuitos ou privados, em muitas cidades brasileiras por conta da pandemia de Covid-19. Entre elas, Divinópolis, no centro-oeste mineiro. Em divulgação por meio das redes sociais em novembro deste ano, o prefeito Gleidson Azevedo e a vice-prefeita Janete Aparecida (PSC) informaram sobre a não-realização dos eventos de pré-carnaval na cidade. Essa informação destruiu a esperança dos blocos divinopolitanos, que já estavam voltando com os ensaios, para sair às ruas em 2022.
Como surgiu a cultura pré-carnavalesca na cidade
Em 2016, Cléo Júnior, empresário de Divinópolis, teve a ideia de criar um evento no período que antecede o carnaval com o intuito de motivar os moradores a permanecerem na cidade, que sempre ficava vazia durante o carnaval. “Em 2016 não existiam outros blocos, então eu criei um evento que se chamava bloco do Cléo e coloquei meu bloco na rua, pedi autorização da prefeitura para fazer um trajeto, foi concedido e já no primeiro ano foi um sucesso, nós levamos 7 mil pessoas para a rua sem fazer nenhum tipo de divulgação nem nada”, relata o fundador.
Em 2017, o bloco teve sua 2ª edição, com ainda mais adeptos, e agora pessoas de outras cidades já apareceram. Cléo comenta sobre a importância do apoio da população para o acontecimento do evento. “Com toda certeza a população de Divinópolis foi uma grande motivadora para permanecer com os blocos, e não só o bloco do Cléo, mas para o surgimento de outros blocos também. No segundo ano já passamos para quase 30 mil pessoas.”
É possível perceber uma grande diferença de público entre a primeira e a segunda edição. Isso aconteceu devido a um primeiro sentimento de estranheza por parte da população. “Tive minha primeira reação, quando fiquei sabendo do evento, de estranheza, acredito que a maioria das pessoas de Divinópolis também, porque era um evento que não existia aqui, a gente não tinha eventos de rua, carnaval de rua. Então essa estranheza veio para um lado positivo, como era algo novo o pessoal agradou da ideia, grande parte da cidade começou a participar, aí na segunda edição já estava ainda maior”, declara Bruna Alves, que começou a frequentar o evento em 2017.
Expansão do movimento cultural
Já em 2018, com a percepção de que a população havia aderido à ideia, e percebendo que isso movimentava a economia e a produção cultural da cidade, Divinópolis passou a contar com mais quatro blocos de pré-carnaval. Juntamente com o desenvolvimento de novos blocos, o evento deixou de ser controlado pelo empresário Cléo Jr. e começou a ser administrado pela prefeitura, sendo chamado de Pré-carnaval do Divino. Ao ser questionado sobre o porquê do apoio da prefeitura em relação à folia, o secretário de cultura Diniz Borges diz que “o apoio ao pré-carnaval se dá pela questão turística, festiva e cultural de um município. A cidade viu a oportunidade de voltar a trazer a alegria de ver as pessoas nas ruas com as marchinhas, e o que faltava em nosso município e era cobrado pela população se tornou real.” Cada vez mais, os comerciantes da princesinha do Oeste passaram a se interessar pelo que os blocos conseguiam para a cidade e patrocinavam os desfiles. A cultura da folia pré-carnavalesca de Divinópolis foi ficando mais conhecida, e as cidades próximas passaram a frequentar os blocos.
Os dois maiores, a partir de 2018, passaram a ser o bloco do Cléo e o Haja Amor, ambos com a bateria composta pelos próprios moradores da cidade. A vocalista do Haja Amor, a cantora Flávia Simão, contou sobre sua chegada ao bloco. “Eu fui convidada. A Carol, fundadora do bloco, me viu cantar no bar Cipriano aqui de Divinópolis e gostou da minha voz. Tenho um timbre mais grave. Quando ela montou o bloco, logo entrou em contato comigo e disse: 'vamos lá, vai assistir o ensaio'. A motivação foi o ensaio, depois que fui me apaixonei à primeira vista pelo Haja Amor. Desde então ele passou a ser meu compromisso de todo domingo.”
Em 2020, os blocos juntos chegaram a reunir aproximadamente 80 mil pessoas, que se espalharam pela cidade do centro-oeste mineiro e disseminaram a alegria do carnaval. O bloco Haja Amor, além de desfilar no pré-carnaval de Divinópolis, também levou sua folia para o carnaval de Belo Horizonte. Logo após o deslanche dos blocos da cidade para o pré-carnaval, a pandemia de Covid-19 pegou todos de surpresa e fez com que o ano de 2021 não tivesse a folia de rua, agora já consagrada.
As consequências do cenário pandêmico para a folia
A pandemia não afetou apenas a economia da cidade, mas também a formação dos blocos e a sequência de ensaios. Cléo Jr. relata sobre os prejuízos de não realizar o pré-carnaval: “A não realização do pré-carnaval de 2022 gera, sim, alguns prejuízos para os blocos. Por exemplo, é difícil manter um grupo de pessoas que estão ali reunidas de maneira gratuita sendo que não tem o objetivo final, que são os desfiles dos blocos.” O fundador ainda comenta sobre a dificuldade de manter os patrocínios das empresas.
Além da questão financeira, é importante pensar em como a falta da realização de um evento cultural tão grande afeta a saúde mental de todos aqueles que têm o carnaval como parte do seu dia a dia o ano inteiro. Flávia explicou sobre como a falta do evento sensibilizou sua saúde emocional durante a pandemia: “O fato de a gente não poder fazer o pré-carnaval da gente, não poder ensaiar, todos esses fatores afetaram. Primeiro afeta o emocional, porque a gente estar ali todo domingo nos ensaios, todos juntos produzindo o carnaval nesse grande bloco, era um fator motivacional e emocional. Nos ajudava, a alegria que transborda nessa festa. E para a gente era carnaval o ano inteiro.”
O fundador do Bloco do Cléo também comentou sobre como os blocos ajudam na saúde mental da população divinopolitana.
“Outra coisa também que é muito interessante é o bem que os nossos blocos de Divinópolis fazem para as pessoas, muitas procuram participar de blocos de carnaval justamente porque naquele momento esquecem os problemas, criam novos vínculos de amizades e isso traz um benefício pessoal. Nós já tivemos casos de depressão, muitas pessoas nos procuram relatando estar em depressão. Elas querem sair de casa, se movimentar, e a música tem essa força muito grande e esses movimentos culturais auxiliam nessas questões emocionais também.”
Em 2022 os eventos da folia pré-carnavalesca continuam suspensos. O secretário de cultura explica que “diante da pandemia do coronavírus, que ainda não acabou, e do risco que corremos de aumentar ainda o número de casos, podemos dizer que teremos mais benefícios do que efeitos negativos” com a não realização do pré-carnaval. Contudo, agora no fim de 2021, os blocos tentam voltar ao ritmo de ensaios na esperança de acontecer o pré-carnaval divinopolitano de 2023 com a participação de toda a população.