Desigualdade educacional no Brasil é agravada pela pandemia

Professores analisam o agravamento da desigualdade educacional na pandemia relacionada com os indicadores de classe, raça e localidade.

Por: Lara Eliza Ferreira e Vitória Louise Calixto 

desigualdade educacional na pandemia

A desigualdade educacional no Brasil se agravou com a chegada da pandemia do novo coronavírus, atingindo principalmente estudantes pretos, pobres e de regiões mais afastadas, em que o abandono escolar, influenciado pela a implementação do ensino remoto e das diferenças de materiais ofertados para o ensino público e privado, foi uma das consequências dessa disparidade que mais uma vez se faz presente na questão da educação brasileira. 

 A coordenadora pedagógica do cursinho popular Educafro, em Minas Gerais, e professora de História da rede pública municipal, em Divinópolis (MG) Thay Araújo, afirma que a desigualdade educacional sempre foi presente e a pandemia escancarou esse cenário. “A educação definitivamente não é inclusiva e pelo cenário político que a gente vê ela está longe de ser. Não temos uma educação de qualidade para todos e a educação é muito elitizada até hoje”, disse. 

Sendo coordenadora de uma organização popular em Minas Gerais, Thay ressalta as dificuldades sociais que se tornaram mais evidentes com a pandemia. Seus alunos, majoritariamente pretos, pobres e LGBTQI+ muitas vezes não possuem acesso a uma internet de qualidade e nem equipamentos (celular, computadores, etc.) para suprir as necessidades que o ensino remoto exige. 

Antes da pandemia, os dados sobre a desigualdade educacional e o abandono escolar já eram preocupantes. Foi o que indicou um mapeamento, realizado em 2019 pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), o Instituto Claro e outros parceiros, sobre reprovação, abandono escolar e distorção em relação à idade-série. Focando na questão do abandono escolar, o levantamento divulgado esse ano, apontou que cerca de 623.187 estudantes das redes municipal e estadual do país abandonaram a escola. Deste total, 329.058 se declararam pretos, pardos e indígenas. Os maiores índices de abandono foram registrados nas regiões Norte e Nordeste. Os realizadores da pesquisa afirmaram, em janeiro deste ano, que com a chegada da pandemia os desafios serão ainda maiores. 

Esses dados apontam, segundo a professora do departamento de educação e pós-graduação em educação da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), Rosa Coutrim, que essa desigualdade atinge pessoas de grupos minoritários e está relacionada com a falta de apoio governamental. “Essa exclusão é recorrente e com a pandemia ficou mais escancarada e aprofundada, nosso sistema é excludente e com a falta de apoio governamental e com esse plano de governo de deixarem pessoas pobres e pretas morrerem à míngua sem educação, sem acesso a uma escola de qualidade, veremos ainda mais o aprofundamento dessas desigualdades”, criticou a professora. 

A pandemia deu margem para o sistema educacional do país aumentar as disparidades raciais, sociais e locais, sendo um dos problemas estruturais dessa situação a falta de acesso a internet para assistir as aulas onlines, que consequentemente gerou um dos maiores problemas na educação, o abandono escolar. De acordo com uma pesquisa divulgada pelo Datafolha, em janeiro, 4 milhões de estudantes abandonaram a escola durante a pandemia. As principais motivações foram a dificuldade do acesso remoto às aulas e problemas financeiros, em que os alunos que lideraram a taxa de abandono pertenciam às classes D e E.

Graduado em Letras pela Universidade estadual de Feira de Santana (UEFS), professor da rede básica pública e apresentador do podcast Ação Dialógica, Iago Gomes, afirma que a impossibilidade dos alunos assistirem as aulas online não está relacionada somente com a questão de não terem condições financeiras de adquirir os equipamentos, mas também pelo Estado não fornecer esse material, pois “pensar sobre essa ausência de condições para acompanhar como deveria o ensino remoto é uma responsabilidade total do Estado quando se negou e nega as condições para tal, que são inclusive e principalmente financeiras”, disse ele. 

A mudança para o ensino remoto era única opção para os alunos continuarem estudando e seguros do vírus, porém, um em cada quatro brasileiros não têm acesso à internet, representando cerca de 46 milhões de pessoas, conforme a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua - Tecnologia da Informação e Comunicação (Pnad Contínua TIC), de 2018,  divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Esses dados, ainda mais evidenciados na pandemia, aparecem na sala de aula da professora Thay Araújo, em Divinópolis, em que os alunos vão perdendo a conexão ao longo da aula, pois acabam usando todos os dados da internet e alguns precisam até escolher quais aulas vão conseguir assistir no dia. 

O ensino público e privado na pandemia

Um outro recorte importante a ser analisado dentro dessa problemática é a desigualdade entre ensino público e privado que foi acentuada na pandemia. As escolas privadas, por possuírem recursos financeiros melhores, conseguiram se adaptar ao ensino remoto e fornecerem as condições necessárias para os alunos estarem presentes nas aulas onlines, utilizando recursos digitais combinados com vídeos gravados e ao vivo, tarefas integrativas e tutores, além disso realizaram uma rápida organização, planejamento e formação dos professores e alunos.

Para o professor Iago Gomes, o que mantém essa discrepância entre o ensino público e privado é a própria existência da iniciativa privada e falta de entendimento da sociedade sobre o ensino público como universal e de qualidade.

“Não deveria existir ensino privado, todo o ensino deveria ser público, que é a única possibilidade de ampliarmos não somente o acesso, como também o debate acerca de rumos da Educação. Veja só, a iniciativa privada só é colocada como “melhor” em relação à pública, porque existe para efeito comparativo e logo se justifica o esquecimento ou precarização de escolas e universidades públicas. Isso significa dizer que eu defendo que só exista o que “está ruim” e para isso deve se acabar o que aparentemente “está bom”? Óbvio que não, eu estou defendendo que a concepção de Educação Pública é a única que é de caráter universal e logo aponta para a construção de horizontes que envolvem amplamente os setores da população”, expressou Iago. 

A pandemia afetou as minorias sociais de maneira incisiva e vale lembrar que toda a população brasileira se deparou com uma situação de extrema dificuldade. Thay Araujo provoca um debate analisando todos os panoramas da educação, que vão desde a realidade dos alunos até a realidade dos professores que, em sua maioria, não estão muito distantes. “Por mais que seja lindo, por mais que o educafro tenha mais de 20 anos de existência pelo ao menos em MG tem alguns professores que estão passando por tantas dificuldades que não têm condições de realizar um trabalho voluntário. O Trabalho voluntário é lindo mas não é todo mundo que consegue porque precisa pagar as contas. Estão sofrendo os alunos e estão sofrendo os professores.” disse ela. 

Pensando em todas essas dificuldades que a educação brasileira vem enfrentando na pandemia e os efeitos no ensino após esse momento pandêmico, Iago acredita que ainda teremos muitas dificuldades na educação, mas que é possível encontrar caminhos possíveis para avançarmos. “Temos pela frente diversos obstáculos, agora se enfrentaremos e quem enfrentará eu já não sei. Tem muitos educadores e educadoras dispostas a enfrentar, inclusive correndo por fora das instituições, nos cursinhos de Educação Popular, nos Movimentos Sociais, etc, a questão é que esses agentes não são chamados para formular e pensar o enfrentamento, mas para executar o que foi pensado pelos próprios agentes do Capital. É possível enfrentar e vencer os obstáculos? Sim. Mas com os mesmos métodos que vêm sendo feitos isso nunca vai acontecer, inclusive em experiências em governos de diversos campos ideológicos”, concluiu.

 

 

 

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