Educação pública em Mariana: O déficit de aprendizagem agravado durante a pandemia

Análise das consequências da pandemia para a educação básica na região de Mariana e as politicas de recuperação  


Por: Nathany Vasconcelos

imagem de uma professora na sala de aula em frente a um quadro negro

Foto ilustrativa de uma professora na sala de aula escrevendo em um quadro/Fonte: Banco de imagens gratuitos FreePik 

A pandemia da Covid-19 dificultou ainda mais o processo de aprendizado para os estudantes, em especial os de escolas públicas, segundo uma pesquisa de julho de 2021 do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). De acordo com o levantamento, 99,3% das escolas brasileiras suspenderam as atividades presenciais durante a pandemia , com isso, o calendário do ano letivo teve que ser ajustado. Somente 53% das escolas públicas conseguiram manter o planejamento ao passo que na rede privada esse número sobe para 70%. Tudo isso colabora para gerar um déficit na aprendizagem e aumentar a desigualdade social.

Recuperação do aprendizado 

Em Abril deste ano, a Secretaria Municipal de Educação de Mariana iniciou a contratação temporária de professor recuperador para os segmentos do Ensino Fundamental - Anos Iniciais e Finais - e para a Modalidade Educação de Jovens e Adultos (EJA). Porém, a percepção das profissionais de educação ouvidas pela reportagem é de que o período remoto não ocorreu adequadamente devido a falta de estímulo do aprendizado e desenvolvimento, dificuldade dos alunos e professores em relação às ferramentas online, dificuldade de acesso à internet, ausência de suporte para realizar as atividades em casa, entre outros. Tudo isso acabou gerando nos estudantes mais barreiras para acompanhar o ritmo de aprendizagem durante o ano letivo, problemas de concentração, desânimo e necessidade de interação social. Além disso, a volta às aulas presenciais, em Fevereiro de 2022, trouxe novos desafios para estudantes, professores e pais de alunos.

O programa de professor recuperador  já está em andamento em diversas escolas, entretanto, segundo a professora do 3° ano Aline Silva, que trabalha na Escola Municipal de Passagem de Mariana há 20 anos, não está sendo muito eficiente pois, muitas vezes, o professor contratado como recuperador acaba assumindo a posição de substituto e não consegue cumprir as funções integralmente. Ainda dá o exemplo da sua escola que, por ser pequena e não possuir salas próprias para desenvolver esse trabalho de recuperação, os professores têm que usar o corredor das salas de aula, deixando os alunos sujeitos a diversas distrações. O ideal, segundo ela, seria ter um suporte e infraestrutura de trabalho melhor para o professor recuperador.

Aline apontou, ainda, que as crianças estão mais agitadas e “com vontade de extravasar” a energia acumulada durante o período da quarentena. Por isso, a professora está trabalhando mais com sua turma a questão da convivência social, além de conteúdos relativos ao sistema de avaliação da educação básica e educação financeira  “Vou tentando intercalar o conteúdo que é necessário aplicar no terceiro ano, com a recuperação que estou tentando fazer com esses alunos com o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) e a educação financeira,” disse a professora sobre o que leciona para a sua turma do 3° ano, que possui alunos em diferentes níveis de alfabetização. “Assim, nós estamos super sobrecarregados e eles também saem muito cansados com isso tudo”, completou.

A professora da Escola Estadual Gomes Freire, localizada no centro de Mariana, Rosenea de Castro, falou sobre as dificuldades da sua turma do primeiro ano do ensino fundamental com a volta às aulas presenciais. Ela pôde observar que a falta de inserção no ambiente escolar e consequentemente de interação social, na primeira infância, fez a criança não aprender o que deveria no tempo certo, pois muitas vezes não foi devidamente estimulada. Ao pular essa primeira fase, muitas crianças do 1° ano não sabem colorir dentro das delimitações do desenho, não aprenderam a recortar e têm a fala infantilizada já acarretando dificuldades na alfabetização e na hora de aprender a escrever.

Principais efeitos

Outro aspecto apontado pelas professoras diz respeito à falta de organização do setor de educação, que contribuiu para aumentar as dificuldades dos estudantes de escolas públicas para aprenderem durante a pandemia. A professora Rosenea pontuou que essa falta de organização e de suporte, pelo setor da educação durante o período remoto, ficou mais evidente com a ausência de estratégias eficientes, pois o Plano de Estudo Tutorado (PET) que foi distribuído veio com diversos erros e não teve participação dos professores da escola a que se destinava. O PET que consiste em uma apostila de atividades e orientações de estudos, foi confeccionado um mesmo modelo para todas as estaduais e municipais. 

Já a professora Aline disse que os Pets não foram desenvolvidos de acordo com a  realidade das escolas. “Funcionavam apenas como uma forma de contabilizar a presença do aluno, e mesmo essas atividades não eram eficientes, pois os pais não têm didática para desenvolver a matéria para as crianças. Não foi o melhor caminho”, concluiu.

A estudante do 7° período do curso de Pedagogia da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), Marta Neves Correa, contou sobre um projeto para recuperar a defasagem no aprendizado dos alunos, realizado  durante o ano de 2021, na Escola de Passagem, coordenado pelas professoras Aline e Paula. Ela e outras estagiárias participavam ativamente fazendo uma residência pedagógica, no qual, além de um treinamento teórico, “botaram a mão na massa” e foram tratando caso a caso, dividiram a turma em duplas, pois as crianças se apresentavam em diversas fases de aprendizado. 

Ela e uma outra colega ficaram responsáveis por acompanhar duas crianças e perceberam, na prática, o quanto a dificuldade no acesso à Internet prejudicou os estudantes. “Uma criança, apesar da dificuldade no acesso, conseguia acessar a internet pela casa de uma parente, enquanto com a outra nós não conseguimos nos comunicar de jeito nenhum, porque a mãe (da criança) não tinha acesso à internet e, com isso, a criança acabou não participando das aulas”.

Segundo Marta, os resquícios da falta de acesso à Internet durante o período de aulas remotas serão sentidos por muito tempo. “Veremos os resquícios por um bom tempo, isto porque, a falta de acesso a internet e as dificuldades vem desde o nível da alfabetização. Vai chegar uma demanda, inclusive, dentro da universidade, com alguma defasagem na leitura, na matemática. Isso vira uma bola de neve”, concluiu.