Enem 2020, a prova das desigualdades

Os números e relatos do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), realizado em janeiro deste ano, evidenciam ainda mais os prejuízos na educação potencializados pela pandemia

Por: Yan Lucas

Jovem prejudicada no Enem

O Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) foi tema de enorme polêmica durante todo o ano de 2020, sendo até adiado para o começo de 2021, nas datas de 17 e 24 de janeiro (versão impressa). Apesar de ter sido considerado um sucesso pelo ministro da Educação, Milton Ribeiro, o Enem 2020 foi alvo de duras críticas por parte de alunos, professores e imprensa, tais como a grande onda de alunos que não conseguiram se preparar por estarem longe das escolas. Segundo dados do próprio Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), o grande destaque desta edição foi o maior índice de abstenção da história da prova: 51.6% (3.029.391 de pessoas). O total de participantes, que já vinha em queda nos últimos anos, despencou quase 25% de 2019 para 2020.

Essa baixa significativa pode ser justificada também pela dificuldade das escolas em se adaptar aos modelos de preparação remotos estabelecidos em decorrência da pandemia, o ensino a distância (Ead) e mais tarde, com a flexibilização da quarentena, houve a introdução do ensino híbrido, uma mistura entre o ensino presencial e propostas de ensino online. As aulas online foram uma solução e um novo desafio tanto para alunos quanto para professores, que em sua maioria, não possuíam essa habilidade para ministrar aulas online. É fato que não foi uma solução para todos, visto que parte dos estudantes ficaram sem ter suas aulas, seja por falta de condições da escola ou do aluno, mas nem as que tiveram a continuação do seu calendário com as aulas online garantiram qualidade e organização dos conteúdos aos estudantes.

O colégio e pré-vestibular Bernoulli, escola particular de Belo Horizonte (MG) e referência de qualidade de ensino do país, foi um dos pioneiros a se adaptar aos modelos de ensino remoto. O ex-aluno do colégio e do pré-vestibular, Gustavo Gomes, disse que o colégio foi crucial em sua preparação para o Enem, oferecendo mais de 2,5 mil videoaulas gravadas pelos professores, além de aulas online, monitoras, simulados, análise de desempenho e correção de redação online. Mas, para ele, o principal diferencial foi a disponibilização de psicólogos durante todo o processo.

Segundo Gustavo, foi o ano de maior pressão psicológica para ele e muitos de seus colegas que iam realizar o Enem, em 2020. O estudante ainda afirmou que se sentiu privilegiado por estar em condições melhores que a maioria dos outros alunos do país. “A dificuldade de concentração em casa foi um dos maiores obstáculos para mim. Tem celular, televisão, família, qualquer coisa te faz perder o foco. Achei que houve muitos problemas técnicos, os professores foram pegos de surpresa, a maioria não estava preparado, porém, não acho que isso atrapalhou em minha nota no Enem”, completa Gustavo.

Os mais prejudicados: estudantes da rede pública

A educação brasileira, antes mesmo da pandemia, já passava por problemas graves, tais como a falta de investimento por parte do Governo, a evasão escolar, o analfabetismo que ainda atinge grande parte da população. O último balanço (IBGE), em 2018, mostra que o analfabetismo no Brasil atingia 11,3 milhões de pessoas, além das desigualdades socioeconômicas entre os alunos de escolas privadas e públicas. Conforme pesquisa do Jornal Nacional, da Rede Globo, divulgada em agosto de 2020, um em cada cinco estudantes da rede pública não conseguiu estudar em casa na pandemia e 21% dos estudantes continuavam sem nenhuma atividade pedagógica em casa, não só os que iam tentar o Enem, mas também os vários outros que estavam na esperança de concluir um ensino básico de qualidade.

Para o neuroeducador especialista em educação, Carlos José Pires, o ensino público foi o mais afetado pela pandemia. “De modo lamentável, o ensino público foi o que mais sofreu com a pandemia. Um abismo educacional que já era observado na educação básica pública gratuita foi ainda mais ampliado”, diz o professor. Em relação ao Enem 2020, Carlos entende que é inquestionável a ausência de uma preparação adequada da grande maioria das escolas públicas.

Os mais de três milhões de candidatos que se ausentaram durante a aplicação do Enem tiveram inúmeros motivos para não se apresentarem aos locais de realização da prova, o que não faltaram foram reclamações e questionamentos por parte dos alunos em relação às decisões tomadas pelo Governo. Segundo o ex-aluno do Instituto Federal de Minas Gerais - Campus Ouro Preto, Álvaro Lima, o exame não foi nada justo e as preparações para o Enem se tornaram cada vez mais individuais devido ao surgimento da pandemia.

Álvaro destacou a grande dificuldade das escolas públicas em se adaptarem aos modelos educacionais do ensino remoto, e os desafios que muitos jovens enfrentam devido a grande desigualdade socioeconômica no Brasil. “A enorme diferença de como cada escola se preparou, melhor dizendo, das públicas, há de se averiguar quais conseguiram se preparar, pois a maioria demorou e nem estava preparada para isso. Muitos não possuem internet em casa ou tiveram que largar os estudos para trabalhar para sobreviver. A prova (do Enem) continuou como estava, a nossa preparação foi afetada, fomos prejudicados”, declarou o aluno, que mesmo realizando o Enem 2020, se diz insatisfeito com a realidade da educação brasileira.

Não jogaram a toalha: Conheça o Pré-Universitário Humanista

Mesmo com todos os desafios que a educação do Brasil enfrenta no atual momento, atitudes que geram esperança nos alunos que buscam um futuro melhor devem ser ressaltadas, como ações voluntárias de cursinhos populares que buscam ofertar aulas gratuitas ou com preços simbólicos aos estudantes de escolas públicas, bolsistas integrais de colégios particulares e/ou pessoas de baixa renda. Um exemplo é o Pré-Universitário Humanista, que oferece aulas e atividades gratuitas preparatórias para o Enem para estudantes das camadas populares de Ouro Preto e região.

Os coordenadores e também professores do projeto, Washington Vieira e Kátia Gardenia, explicaram que ainda está sendo realizado um estudo sobre os dados do cursinho, os alunos do cursinho estão sendo prejudicados pela falta de estrutura desde uma conexão de internet adequada, até mesmo pelo uso de dispositivos móveis, pois muitos deles assistem às aulas pelo celular. Além disso, muitos pais e alunos ficaram desempregados, em função da pandemia.

O projeto tem se dedicado a seguir o calendário da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), utilizando da plataforma Google Meet para encontros síncronos com os alunos e o Youtube para os assíncronos. Os professores do cursinho acreditam que a pandemia prejudicou não só a questão do Enem, mas que todos os setores foram prejudicados. Porém complementam dizendo que mais uma vez, a educação foi um dos primeiros setores mais afetados por passarem por diversas dificuldades de falta de estrutura e investimentos ao longo dos anos. Os coordenadores afirmaram que se pode perceber que a população que tem uma condição socioeconômica menos favorecida é sempre a mais comprometida. “O projeto mesmo com a sua competência em oferecer o ensino de qualidade, por possuir instrutores bem preparados e material de apoio, não consegue resolver os aspectos de ordem social, econômica e cultural, os quais são de responsabilidade dos âmbitos governamentais", conclui Washington, deixando claro que sozinhos não podem mudar a realidade do país e da Educação, sendo isso função do Governo.

O Pré-Universitário Humanista contempla no projeto em média de 200 alunos da comunidade local, além de 26 estudantes instrutores bolsistas da Ufop de diversos cursos que ministram as aulas. O projeto segue reformulando alguns processos para atender da melhor forma os alunos no segundo semestre do ano, para que os mesmos possam continuar tendo acesso ao conteúdo necessário para a realização do Enem, como por exemplo, já estão com uma plataforma moodle em desenvolvimento para o uso. As aulas acontecem nos horários da manhã e da noite, e neste semestre aos sábados, com os momentos síncronos, seguindo o calendário da Ufop. Para mais informações, acesse as redes sociais do projeto, no Instagram @humanistapreuniversitario ou no Facebook Pré-Universitário Humanista.