A estrutura de distribuição de água em Mariana (MG) afeta a vida da população

O problema das redes de distribuição e a má gestão dos recursos hídricos causam déficit e transtornos para população 

Por: Maria Eduarda Gomes

Créditos: Maria Eduarda Gomes

Na imagem estão os dados relacionados à distribuição de água no Brasil, em Minas Gerais e em Mariana, cuja fonte é o Relatório Técnico SAAE MARIANA Na imagem estão os dados relacionados à distribuição de água no Brasil, em Minas Gerais e em Mariana, cuja fonte é o Relatório Técnico SAAE Mariana

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a água precisa de três características básicas para ser considerada adequada para o consumo: ser insípida, incolor e inodora. Em Mariana-MG é comum abrir as torneiras e dar de cara com uma água de coloração amarelada, com cheiro forte e gosto. Isso quando as torneiras não estão secas.

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), diz que no município de Mariana, são cerca de 13.169 residências abastecidas por uma rede de distribuição com 233 km². Com um volume de 17.453 m³ de água tratada todos os dias.

Apesar desses números, Mariana sofre da recorrente falta de água. Alguns bairros ficam semanas sem recebê-la. Principalmente os localizados nas partes mais altas da cidade, onde o sistema de abastecimento não possui pressão suficiente para chegar até as caixas d 'água. 

Considerando a qualidade da água distribuída, o IBGE diz que em Mariana o volume de água sem tratamento distribuída por dia é de 120.037 m³. Um dado alarmante, considerando que isso impacta diretamente a qualidade de vida da população, que consome a água que chega nas torneiras, sem sequer saber da procedência ou se os parâmetros de qualidade estão ativos.

Créditos do mapa: Plano Diretor de Mariana

Índice de Atendimento de Abastecimento de Água dos Domicílios de Mariana, disponível no Plano Diretor de Mariana.

Índice de Atendimento de Abastecimento de Água dos Domicílios de Mariana, disponível no Plano Diretor de Mariana.

Isso fica evidente no estudo que envolveu o processo de criação do Plano Diretor de Saneamento Básico de Mariana. Em muitas situações, o Serviço de Distribuição de Água e Esgoto - SAAE de Mariana dá soluções paliativas. 
 

No dia 31 de agosto de 2020, um poço artesiano foi interligado à rede do bairro Morada do Sol, a região do bairro Rosário também foi atendida. O morador Rômulo dos Anjos (nome fictício) do bairro do Rosário, relatou que a partir da implantação do poço artesiano ele esperava que não faltasse mais água, apesar disso, ele conta que continua tendo problemas com a falta de água. “Alguns dias eu consigo perceber que a água até chega, mas depois de um tempo ela para de vir.”


Mudam os diretores, as diretrizes e as propostas, mas nunca há uma solução efetiva. Em 2014 foi elaborado um plano municipal para o saneamento básico, no qual estava previsto o estudo de caso da cidade.


Dentro do plano municiapal há uma proposta de intervenção, com objetivo de solucionar as questões em volta da distribuição de água na cidade. Nela, os pontos de destaque são: investimento em um sistema de distribuição composto por uma malha adutora de material mais resistente, inserção de poços artesianos ao sistema e hidrometração das residências, com intuito de tarifação da água.

Créditos da fotografia: Maria Eduarda Gomes

Imagem de vazamentos de dutos utilizados na distribuição de água no bairro do Rosário

Imagem de vazamentos de dutos utilizados na distribuição de água no bairro do Rosário

Moradora do Centro, na Rua do Catete, Lurdes Rodrigues (nome fictício), 37 anos, relata que é comum ver funcionários do SAAE realizando obras na rua, mas que é recorrente a falta de água em sua casa.  “Eu já cheguei a ficar uma semana inteira sem água, eu sempre me impressiono como é possível que no centro da cidade falte água, às vezes parece que só chega água na caixa até uma parte do dia.”


Quando questionado, o diretor do SAAE, Ronaldo Camêlo, afirmou que o sistema de distribuição da cidade depende da atuação da população no que diz respeito ao sistema de reservação, ação de separar, de poupar, guardar grandes volumes (de água) por meio do uso de caixas d ́água. 

Segundo ele, “O morador precisa usar com consciência, a cidade não possui um sistema de hidrometração, isso dá possibilidade para que a população use de forma exacerbada um recurso que é limitado.” 
 

ATUAÇÃO DO SAAE DE MARIANA

O SAAE é uma autarquia municipal, criada em 2005 por meio da Lei 1.925/05, com a responsabilidade de prestar serviços relativos aos sistemas de abastecimento de água e esgotamento sanitário. O órgão divide a responsabilidade de atendimento ao município com a Secretária Adjunta de Serviços Urbanos (SASU). 


O SAAE tem utilizado o plano de saneamento básico desenvolvido em 2014 como base para sua atuação. “O plano apresenta um conjunto de propostas para o futuro, definindo ações de curto, médio e longo prazo, a serem implantadas até o ano de 2027. A formulação de alternativas considerou aspectos técnicos, ambientais, sociais e econômicos.” 
 

Créditos: Plano Diretor de Mariana

Localização das principais unidades do sistema de abastecimento de água Fonte: Elaboração ENGECORPS, 2014, disponível no Plano Diretor de Saneamento Básico
Localização das principais unidades do sistema de abastecimento de água Fonte: Elaboração ENGECORPS, 2014, disponível no Plano Diretor de Saneamento Básico
 

Os sistemas de abastecimento da Primaz de Minas estão localizados de forma estratégica para tornar a distribuição de água 100% efetiva. É importante ressaltar que a formulação de um sistema complexo como tal exige planejamento, contudo em cidades que não havia perspectiva de crescimento exponencial da população essa não é a realidade. Isso segundo a avaliação do relatório municipal inserido no Plano Diretor.


O diretor do SAAE, Ronaldo Camêlo apontou o objetivo do órgão e reiterou que os problemas da cidade são complexos demais para serem solucionados até 2027, como o plano diretor sugere. Segundo Ronaldo Camêlo: “Nossas ações dependem da prefeitura, existe um projeto para solucionar o problema, queremos implantar uma nova ETA, perfuramos poços artesianos, mas não depende somente de nós que tudo seja solucionado”.


Além disso, Ronaldo Camêlo afirmou que em gestões anteriores à sua, houve processos de sucateamentos de alguns reservatórios de água da cidade. O diretor afirma que a perspectiva para sua gestão ser mais efetiva, evolve a implantação de novos reservatórios, um deles com capacidade para armazenamento de 1 milhão de litros de água, e outro com capacidade para 500 mil litros de água. Ainda segundo ele, essas medidas estão sendo tomadas para solucionar de uma vez por todas as falhas na distribuição de água na cidade.


Um ponto importante que o SAAE destaca é que pequenos problemas causam grandes impactos na distribuição. Em seus canais de divulgação, no instagram por exemplo, é comum encontrar publicações que mostram como pequenos defeitos nos canos afetam diretamente a distribuição de água.


Mais um vez, perguntado sobre os reparos constantes, Ronaldo Camêlo disse: “Nós estamos determinados a manter qualidade no abastecimento de água, mas a população não nos ajuda, por exemplo, se há um rompimento por menor que seja nos dutos de distribuição, leva cerca de 18 horas para que a situação seja normalizada.”

Captura de tela de post  do instagram do SAAE

Nas Imagens estão representados o deterioramento do asfalto e a situação de um reservatório de água que foi danificado pelo tempo
Nas Imagens estão representados o deterioramento do asfalto e a situação de um reservatório de água que foi danificado pelo tempo
 

Apesar disso, é compreensível a revolta da população quando se trata das faltas constantes de água, Marcos César (nome fictício) morador do bairro Barro Preto, comentou que já fez diversas denúncias pelos canais de atendimento do SAAE, mas que suas demandas nunca foram ouvidas. “Eu já desisti, passei raiva mais do que podia tentando fazer com que eles me ouvissem, mas cansei.” 


Quando perguntado sobre a recorrência desse problema, o prefeito interino de Marina, Juliano Duarte, disse: “Mariana tem um problema sério de abastecimento de água, primeiro porque não há tarifação, então a população acaba usando de forma irresponsável.”

 

FALTA DE CHUVA, SINAL DE CAIXA D'ÁGUA VAZIA

“O sistema de captação atual nem sempre é suficiente para atender a demanda que a cidade apresenta. Todos os mananciais e poços estão funcionando e não apresentam problemas técnicos. O que ocorre é que estamos passando por um forte período de seca, que está fazendo com que o nível de água rebaixe. Assim, a capacidade de produção do sistema fica prejudicada”, explica Roberto Verona, assessor de comunicação e relações institucionais do SAAE Mariana.

Créditos: Monitor das secas

Temperatura e Índices Pluviométricos de Mariana Fonte: Dados climáticos para cidades mundiais

Temperatura e Índices Pluviométricos de Mariana Fonte: Dados climáticos para cidades mundiais 

O SAAE disponibiliza caminhões pipas e faz indicações para economizar água. Na primaz de Minas, todos os anos os períodos de seca acontecem, e em todos os anos a população sofre com as caixas d'água vazias. Isso segundo o site "Monitor de Secas", e de acordo com o SAAE, o sistema de distribuição de água da cidade é feito por captação superficial, as secas portanto, indicam baixa nos níveis dos mananciais. 


Sobre esse tópico Ronaldo Camêlo, disse: “Mariana tem um problema sério nos períodos de seca, porque nossas captações são superficiais, não tem nenhum sistema como o de São Paulo por exemplo, o Cantareira".

Créditos: Maria Eduarda Gomes

Comentários da população em post do SAAE no instagram sobre a falta de águaComentários da população em post do SAAE no instagram sobre a falta de água

Em post sobre a utilização consciente da água os comentários são ainda mais incisivos, e questionam a necessidade de usar com consciência, uma vez que nem água as caixas têm.


Ronaldo Camêlo destacou a importância de ter um sistema de reservação de água por meio do uso de caixas d'água. De acordo com o SAAE, o sistema de distribuição precisa manter armazenamento da água entre o tratamento e o consumo, para suprir as variações horárias da utilização de água, garantindo a adequada pressão do sistema de distribuição e principalmente manter reservas de emergência.


Neste ano a perspectiva é que a cidade não sofra tanto com os períodos de secas, porque como ação para solucionar a questão foram perfurados novos poços artesianos, a intenção é que até julho mais 3 sejam feitos. Os poços estão localizados nos bairros Morro de Santana e Nossa Senhora Aparecida, bem como estão abertos editais para construção de novos reservatórios.
 

ESTRUTURA DE DISTRIBUIÇÃO NA PRIMAZ DE MINAS

Segundo o SAAE, o processo de distribuição utiliza reservatórios de água, em seguida a água é distribuída à população por meio de uma malha subterrânea, composta por volta de 2.100 km de tubulações de diversos diâmetros e materiais, abastecendo um total de aproximadamente 240.000 ligações. Portanto, dentro das políticas de manutenção e estruturação da distribuição de água é essencial pensar na conservação dos dutos. 
 

Créditos: Maria Eduarda Gomes, fonte Relatório Técnico de saneamento básico de Mariana

Sistema de estações de tratamento de água em MarianaSistema de estações de tratamento de água em Mariana

Ao contar sobre sua vida em Mariana, Júlio César dos Santos, 40 anos, morador do bairro Cabanas, relatou como a cidade tem seu brilho. Mas que a cada nova gestão que não prioriza a população, ele se sente mais negligenciado, “Parece que a gente que precisa não é visto pela prefeitura, e o pessoal do SAAE esquece que a gente existe”.


Segundo o Relatório do Plano Diretor Ambiental de Mariana, no qual a cidade foi analisada por técnicos nos âmbitos ligados ao meio ambiente marianense, incluindo a situação da água na cidade. A uma questão que afeta diretamente a distribuição, o sistema de abastecimento possui uma estrutura ruim, antiga e carregada de problemas por falta de investimentos estruturais para longo prazo.


O diretor do SAAE disse: “Não diria um problema estrutural, todo sistema de distribuição tem uma perda, aqui em Mariana temos algumas questões específicas da estrutura da cidade.” Ele evidenciou ainda que continuamente o SAAE busca fazer reparos, e todas as vezes que algum reparo é solicitado o SAAE tende a estar disponível para resolver.
 

EM BUSCA DA QUALIDADE DE VIDA E ACESSO A SANEAMENTO BÁSICO 

Não é difícil encontrar algum marianense revoltado com a situação da falta de água. Júlio César dos Santos comenta: "Eu já cheguei a ficar 10 dias sem cair uma gota de água na caixa, eu precisava sair da minha casa depois de um dia inteiro exaustivo de trabalho e ir até a mina do distrito de Passagem de Mariana para buscar água para coisas básicas do dia-a-dia como lavar uma louça ou tomar banho." 


Quando Ronaldo Camêlo foi indagado sobre isso, ele afirmou que o problema é causado por fatores que independem do SAAE.  “A falta de água em Mariana é causada pelas ocupações desordenadas que usam nossa água de forma irracional."


Ele usou como exemplo o ponto de captação de água “Serrinha”, que abastece a ETA Santa Rita de Cássia, no trecho entre a Serrinha e a ETA, existe um ocupação que furta todos os dias cerca de 5 l/s. Durante 24 horas. Isso resulta em uma perda de 432.000 de litros de água.


É uma perda significativa, afeta diretamente a vida de uma parte da cidade. Mas apesar disso, responsabilizar a população não é um caminho efetivo para solucionar o problema de distribuição de água na cidade. Uma vez que não cabe a população a solução efetiva do problema.


A prefeitura está com um projeto de urbanização regulamentada nessas ocupações, o REURB. A perspectiva é que quando essa localidade for regularizada o sistema de abastecimento funcione de forma efetiva, segundo o SAAE. O prefeito Juliano Duarte disse que a região onde está localizada a ocupação não pertence à prefeitura. Por isso, o proprietário precisa entrar com uma ação de reivindicação do terreno, para que a prefeitura possa desapropriar o terreno.

 

A HABITAÇÃO E A DISTRIBUIÇÃO DE ÁGUA

A Lei 13.465, de 11 de julho de 2017, definiu novos marcos para o REURB e a partir dela, cabe aos municípios realizar as obras que vão viabilizar a solução dos problemas de habitação. Esse não é um processo fácil, mas possui várias etapas técnicas a serem seguidas.


De acordo com o plano nacional de reurbanização, sem um acompanhamento adequado, pode haver comprometimento da regularização. A população que reside nas ocupações deve ser a prioridade, alocar de forma ordenada, e humana é um desafio que a administração pública enfrenta. Isso consta dentro dos objetivos do projeto REURB.


A regularização das ocupações é um instrumento social e econômico que permite a valorização dos imóveis, com benefícios para todos os envolvidos. O prefeito interino de Marina apontou isso durante a entrevista, e reforçou: "Minha gestão prioriza a população.”


No plano do REURB é indicado que o projeto é vantajoso para os proprietários, afinal aumenta o acesso a crédito bancário e estimula o desenvolvimento da região – com mais investimentos públicos na área regularizada, já para a população, é o meio de se viver de forma digna.

Créditos: mapa extraído do Plano Diretor

o mapa acima mostra onde se encontra o perímetro urbano da cidade de Mariana, e a zona de proteção ambiental do Parque do Itacolomio mapa acima mostra onde se encontra o perímetro urbano da cidade de Mariana, e a zona de proteção ambiental do Parque do Itacolomi
 

Quanto à questão ambiental, existe um Plano Diretor para direcionar as ações da gestão pública, com objetivo principal de inibir o processo de expansão da região informal do Cabanas em direção à Zona de Amortecimento da reserva do Parque Estadual do Itacolomi. A ocupação impacta diretamente no ecossistema do Parque do Itacolomi, bem como na distribuição de água, como apontado pelo diretor do SAAE. 


No que se refere às ocupações, e de que modo elas influenciam na distribuição de água, o diretor do SAAE menciona que existem medidas ativas para sanar o problema. Atualmente a instituição está com um projeto de transferência das adutoras que passam pela zona de ocupação, é uma obra que já foi licitada, e está em processo de execução. 


Josefina Almeida (nome fictício), 47 anos, moradora do bairro Vila do Carmo, reside na cidade desde que nasceu. Ela conta: “A água aqui em casa só chega até as 11 da manhã normalmente, o resto do dia eu sobrevivo com a reservação, às vezes eu preciso escolher entre lavar uma louça antes do almoço, ou tomar banho depois do trabalho.”
 

Mapa extraído do diagnóstico integrado produzido pela equipe técnica do novo Plano Diretor

O mapa mostra a região de captação de água da cidade de Mariana, e a região da reserva do Parque Estadual do ItacolomiO mapa mostra a região de captação de água da cidade de Mariana, e a região da reserva do Parque Estadual do Itacolomi
 

E como solução paliativa a autarquia tem incentivado a população a consumir de forma ordenada, e orienta o não desperdício. Existem agentes de fiscalização que multam residências que apresentam uso irracional da água, bem como altos focos de desperdício, essa ação é amparada por uma lei municipal criada no mandato do ex-prefeito Celso Cota. 


De acordo com a lei aprovada, a multa para quem estiver desperdiçando água é de 20 UFM (Unidades Fiscais do Município), sendo que cada unidade UFM equivale a R$1,89. O infrator também terá o corte do fornecimento de água por 24 horas. O desperdício poderá ser denunciado pelos cidadãos ao SAAE, para que as providências sejam tomadas, assim como a apuração das responsabilidades pelo desperdício e aplicação das penalidades.


Lourdes Rodrigues (nome fictício) contou sobre como foi ver Mariana crescendo, “Eu vi essa cidade virar isso tudo aí (apontando para cima, onde estão localizados bairros mais altos, como o Cabanas), e desde que me lembro falta água pra beber, e pra banhar.”