Estudante de educação física da UFOP busca fazer a diferença em Sete Lagoas por meio do esporte

Escolinha de futebol vem impactando positivamente a comunidade infantil do bairro Alvorada.

Por: Marina Ferreira

Estádio Emílio Vasconcelos Costa - Ideal Sport ClubJogo no Estádio Emílio Vasconcelos Costa - Ideal Sport Club, durante uma seletiva. Arquivo pessoal de Marina Ferreira.

Alguns pratinhos, duas bolas, um campo limpo, a força de vontade, a paixão por ensinar e o amor pelo esporte fizeram nascer a escolinha de futebol no bairro Alvorada, em Sete Lagoas (MG), um projeto social criado pelo estudante do 4º período do curso de educação física da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), Samuel Avelar Silva da Costa, 21 anos, morador da cidade. Ele, que sempre gostou de todos os esportes, viu nisso uma oportunidade para ocupar a mente das crianças e adolescentes do seu bairro e oferecê-los aquilo que todos deveriam ter por direito.

Foi em uma seletiva esportiva que conversei com Samuel, o técnico de futebol Zema, dois pais responsáveis por um dos atletas e quatro alunos para entender de que forma o futebol é mais do que apenas um jogo. Na seletiva, que revela novos talentos para integrar as categorias de base dos clubes de futebol, as crianças estavam, em sua maioria, acompanhadas de um dos responsáveis e foi possível observar compromisso e interesse por parte das crianças, com pontualidade e atenção aos jogos que ocorriam ali. Não é novidade que o futebol é um dos principais tópicos entre os assuntos do cotidiano dos brasileiros, mas é interessante pensar como e por que ele ocupa um lugar tão importante na vida das pessoas, e a história do Samuel pode ajudar a pensar um pouco sobre isso.

Com pouco patrocínio e poucos materiais esportivos, Samuel, com auxílio de Zema, 34 anos, passou a oferecer aos meninos novas experiências e contribuir de alguma forma para ampliar suas perspectivas e oportunidades. “O esporte forma também. O nosso grande objetivo é esse, para depois decidir se irão dar continuidade na carreira de futebol”, afirmou Zema.

Samuel conta que, quando criança, não tinha condições financeiras para se envolver completamente com o esporte e participar de treinos de qualidade e, por isso, decidiu iniciar o projeto convidando aleatoriamente os meninos que via no seu bairro. A escolinha, que no primeiro treino contou com cinco atletas, dentre eles dois eram seus primos, atualmente conta com mais de 25, entre 6 a 16 anos, e isso dá forças a ele para continuar.

Ele sente o seu trabalho ser recompensado ao ver a alegria das crianças ao ganhar um jogo, e orgulho quando enxerga o desenvolvimento dos alunos ao longo do tempo, principalmente por saber como eles se entregam inteiramente ao esporte, em especial ao futebol. “Eu acho que esse é o caminho: tentar fazer com que a pessoa tenha a oportunidade de ter novas experiências na vida dela, que é uma coisa que pessoas de baixa renda e os bairros mais periféricos não têm”, afirmou Samuel.

A maior motivação para o estudante de educação física para essa iniciativa foi a intenção de desviar as crianças e os adolescentes da criminalidade, já que, segundo ele, o bairro onde desenvolve o projeto sempre contou com a presença do tráfico e da violência e o esporte acaba sendo um meio através do qual é possível ocupar suas mentes e proporcionar mudanças no desenvolvimento. Foi o que Poliana Aparecida Pereira, 33, enfermeira, e André Filipe Silva, 26, autônomo, pais do Pedro Henrique, 13, confirmaram, ao alegar como a entrada do filho na escolinha de futebol melhorou sua agilidade, sua responsabilidade com horários e seu comportamento. “Pelo menos, ele vai e volta feliz. E está esperando o próximo treino sempre”, afirmou André.

Educação

O futuro professor de educação física falou sobre a sua relação com a docência e em como alguns professores que passaram pela sua vida influenciaram positivamente suas perspectivas. Ele acredita que um professor sempre é capaz de promover mudanças por estar repassando ensinamentos de acordo com suas vivências. Por isso, Samuel procura manter uma relação amigável com seus alunos, sempre buscando dialogar e despertar neles o interesse de estar ali, sem que isso se torne uma obrigação.

Prova disso foram todas as quatro crianças entrevistadas pela reportagem que confirmaram a boa relação com ele e que demonstraram, ao longo da seletiva, o interesse pelo futebol, o que mostra como os objetivos dele estão sendo alcançados. Porém, ele ressalta como é importante manter o foco nos estudos e que um dos requisitos para participar da escolinha é estar devidamente matriculado na escola, pois “não pode só querer jogar bola e esquecer das responsabilidades.”

Samuel acredita que outros caminhos para desviar as crianças e os adolescentes da criminalidade sejam o investimento em educação, lazer e entretenimento e que pretende continuar com o projeto com esse objetivo em mente. Porém, para Zema, antes de ser compromisso e disciplina, o esporte é diversão. “As crianças são muito envolvidas no esporte. Elas levam como uma brincadeira, uma paixão. Isso é muito bom. Quando a gente encontra crianças que têm talento e vontade, iremos implementar apenas disciplina. Nós pedimos muito isso, não só nos treinos, como também em casa, para levar isso pro resto da vida.”, afirmou. O técnico ainda manda um recado para os atletas do Alvorada para que nunca desistam e afirma que Sete Lagoas necessita de pessoas que façam trabalhos sociais como esse, já que muitos bairros são esquecidos.

O Levantamento de Vulnerabilidades Sociais por Território de Sete Lagoas, realizado pela Secretaria Municipal de Assistência Social de Direitos Humanos, em 2019, analisou territórios abrangidos pelos quatro Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) da cidade para a identificação de bairros com maior índice de vulnerabilidade social, levando em consideração os indicadores de saúde, educação, assistência social e segurança pública. É possível evidenciar no estudo o analfabetismo, a evasão escolar, a quantidade de crianças e adolescentes em situação de pobreza ou extrema pobreza e o tráfico de drogas como situações vulneráveis mais recorrentes entre os quatro territórios analisados, que incluem 25 bairros, entre eles o Alvorada.

De acordo com o artigo 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a família, a comunidade, a sociedade em geral e o poder público têm o dever de assegurar à criança e ao adolescente “a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária”. Entretanto, a realidade é outra, principalmente em regiões mais vulneráveis.

Porém, há pessoas que tentam reverter ou coibir essa situação, e Samuel é uma delas, juntamente com Zema. Devido à pandemia, os treinadores reforçaram os cuidados para evitar a contaminação da Covid-19: uso de máscaras e álcool em gel e sempre avisar antes caso o aluno esteja sentindo algum sintoma. Com a volta das aulas presenciais da UFOP em março de 2022, Samuel terá que voltar a morar em Ouro Preto, mas acabar com o projeto não é uma opção.

Estádio Emílio Vasconcelos Costa - Ideal Sport ClubSamuel tirando uma foto de seus atletas reunidos após o jogo. Arquivo pessoal de Marina Ferreira.