Futuro do amanhã? Jovens de Mariana (MG) se engajam em movimentos sociais

Como a juventude marianense se articula entre si, com a sociedade, com órgãos públicos e em relação à pandemia

Por: Lívia Gariglio

Marllon César, 18 anos, é estudante secundarista que participa do Grêmio Estudantil de seu colégio. Vinicius Souza, 26 anos, é professor de sociologia na rede estadual de ensino. Rayane Carioca, 24 anos, é nutricionista.  O que eles têm em comum? Todos são jovens que participam de movimentos sociais em Mariana (MG). 

Jovens agrupados segurando bandeiras do PSTU, do coletivo Rebeldia e do movimento LGBTQIA +.  A maioria está com blusas que estampam a logo do coletivo e todos eles estão de máscaras. Muitos estão com a mão levantada em sinal de resistência.
Foto cedida do acervo pessoal de Marllon César

 O estudante Marllon César conheceu o movimento Rebeldia - Juventude da Revolução Socialista em 2020. Ao auxiliar  Patrícia Ramos com a candidatura dela à prefeitura de Mariana pelo Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU), teve contato com o grupo jovem, que é ligado ao partido. Após um tempo, foi convidado a participar.

O Rebeldia se mobilizou contra o caso de blackface, que ocorreu em repúblicas de Ouro Preto entre os dias 30 de abril e 1º de maio deste ano (2022), no evento Miss Bixo.

“Costumamos estar em diversas atividades, principalmente relacionadas à mineração e aos professores”, diz ele. Complementa que isso ocorre em escolas de ensino médio e de nível superior. As reivindicações do grupo jovem se dão por meio de manifestações e  manifestos, por exemplo.Marllon afirma que uma pessoa jovem, muitas vezes, terá seus direitos negligenciados e que ter conhecimento das lutas é importante para garantir que eles serão atendidos. E acrescenta: “Nós somos parte fundamental da política, não apenas para votar, mas para nos mobilizar, nos movimentar”.

5 pessoas abraçadas, dentre elas algumas com camisas escritas “o piso é lei”, de resistência LGBTQIA+ e a logo do Rebeldia. Eles estão numa manifestação ocorrida em Mariana e abraçados. A maioria das pessoas na fotografia estão de máscara.
Foto cedida do acervo pessoal de Marllon César

Além disso, conforme ele, há um esforço em dialogar com uma parte expressiva dos jovens universitários da cidade que não são marianenses ou da região. Em 2017 e 2018, 63,4% dos alunos que ingressaram na UFOP são de fora de Mariana, Ouro Preto, João Molenvade e Itabirito.

Ele explica que o coletivo deixa convites nas redes sociais e espalhados pela cidade, bem como entra em contato com pessoas que se interessam. Os integrantes apresentam a cartilha do movimento, as principais ideias e as informações sobre as reuniões.

Ao entrar no Rebeldia, o novo integrante recebe amparo teórico para se localizar no movimento, que é socialista. Logo, são disponibilizados textos, vídeos e debates para essa inserção, que é aprofundada nos encontros.

Da esquerda para a direita, duas mulheres e o um jovem (Marllon) no meio de uma rua. A do meio segura um folheto de divulgação do Polo Socialista Revolucionário.
Foto cedida do acervo pessoal de Marllon César

“Sempre se pensa na juventude como o ‘futuro de amanhã’ e a gente não quer ser isso, a gente quer ser o Brasil de agora, a gente quer fazer discussão agora”, afirma o professor de sociologia Vinicius Souza, militante do Levante Popular da Juventude. “A gente quer ser protagonista do processo de decisão, no centro da política”, complementa.

O coletivo Levante Popular da Juventude começou em 2012, como um projeto de educação popular. Vinícius ingressou em 2013, como secundarista, enquanto residia no Pará. Ajudou na construção do coletivo de comunicação e do movimento camponês do Levante, junto com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), no estado em que residia. Também passou pelos polos secundaristas e universitários dentro do movimento.

O grupo possui várias frentes de atuação, como a camponesa, a estudantil e a territorial. Atualmente, Vinicius atua na estudantil e na territorial, que opera em associações de bairros, por exemplo. A área de abrangência é  da região do Levante dos Inconfidentes, que comporta a juventude nas proximidades de Ouro Preto e Mariana.
Conforme ele, o movimento está presente nos principais conselhos superiores da UFOP, no Comitê Central de Mobilização da Região dos Inconfidentes e organiza manifestações.

Ele afirma que um dos intuitos é “apresentar um espaço seguro, de diálogo, de transformação”, para que haja uma acolhida das mais diversas facetas da juventude, num debate horizontal.

Vinicius defende que o projeto perpassa soberania, democracia e justiça social e que o momento atual de instabilidade política afeta os jovens. Houve, segundo ele, uma dificuldade de incentivo para os jovens tirarem e regularizarem o título de eleitor.

Aglomeração de jovens, muitos sem máscara, em ambiente aberto, fazendo um “L” com as mãos e segurando Títulos de Eleitores. O ex-presidente Lula aparece na parte inferior da fotografia, no meio das pessoas.
Mutirão de retirada de Título de Eleitor em que a frente territorial do Levante do Helipa participou, no qual o ex-presidente Lula marcou presença. Foto por: @guifrodu

“O jovem é a família, o jovem é a comunidade, o jovem é o bairro”, fala. Ele analisa que a juventude quer decidir sobre o bairro em que mora, a escola em que frequenta, sobre o Estado em que mora e sobre o Brasil: “Não esperar de forma passiva as decisões, mas sim fazer parte do processo de construção delas.”

Vinicius relaciona a atuação política de jovens a ações sociais contra o racismo e a intolerância religiosa e em prol do movimento LGBTQIA+ e do feminismo. “E a gente consegue fazer com que esse debate se amplie para toda a sociedade, porque a gente participa de vários lugares”.

Já a nutricionista Rayane Carioca participa do grupo Rotaract. Seu primeiro contato se deu por meio do namorado, que atua no projeto desde 2017. Ela participava das reuniões com ele até que foi chamada para se associar também, em 2019.
O Rotaract, segundo a associada, é uma instituição onde se fazem projetos sociais visando as demandas da sociedade. Até 2020, ele era uma vertente focada na juventude do Rotary e atualmente, é autônomo, já que houve um consenso de que são ações semelhantes, porém feitas por pessoas distintas.

Em Mariana, o grupo possui projetos de captação de recursos, ou seja, faz um evento para arrecadar dinheiro e o destina para alguma instituição da cidade que esteja necessitando. Um exemplo disso foi uma doação de alimentos para o Projeto Alferes,  que atua desde 2010 com ações sócio-educativas e de inclusão social de crianças e adolescentes do bairro Santo Antônio, em Mariana (MG). A próxima, segundo ela, será destinada para a Instituição Casa Lar Estrela.

Ela conta que os jovens que participam do grupo passam por capacitações e desenvolvem “aspectos profissionais como oratória, gestão financeira e de pessoas, trabalho em equipe e networking”.

Uma mulher (Rayane) está em pé, na frente de uma mesa, segurando um microfone e sorrindo. No segundo plano, há um cartaz sobre educação.
Rayane Carioca, associada do Rotaract de Mariana, ao ministrar treinamento em um evento do grupo. Foto por: LP Studio Fotográfico

 

Relação com a pandemia

 

Tanto o  Rebeldia, quanto o Levante Popular da Juventude e o Rotaract, relataram uma desarticulação de movimentos anteriores devido à pandemia. Entretanto, também relataram que articularam projetos focados nas consequências dessa questão de saúde pública.

O Levante, com o projeto “Nós por Nós'', inserido na Campanha de solidariedade Periferia Viva, realizou doação de mais de três toneladas de alimentos na Região dos Inconfidentes, por exemplo.

Pessoas paradas em frente a uma casa de fachada simples. Dentre elas, há integrantes do Levante e um deles segura as doações. As pessoas que a receberam estão sem máscara e sorrindo.
Entrega dos alimentos arrecadados. Foto por: Franciene Vasconcelos e Giovana Galvão, assessoras técnicas da Cáritas MG

O período pandêmico fez com que as reuniões dos grupos acontecessem virtualmente. As do Rebeldia ainda são online, semanalmente. As do Rotaract acontecem aos domingos, em local fixo presencial. Já as do Levante acontecem quinzenalmente em locais não-fixos, tanto pela disponibilidade de local quanto pelo alcance de mais lugares da região.
 

Articulação com órgãos públicos

“O Conselho Municipal da Juventude analisa, propõe, organiza e planeja políticas públicas no seu desenvolvimento social, econômico e desportivo para a juventude de Mariana”, define o presidente do Conselho Municipal da Juventude (CMJ) da cidade, Wagner Flávio.

O último conselho municipal que tomou posse foi no biênio de 2016-2018 e, após esse período, ocorreu uma pausa. Esse ano, o CMJ deve voltar a atuar em Mariana, com uma Conferência Municipal da Juventude prevista para agosto.

Não está disponível ainda o edital nem informações sobre a qual biênio se refere essa retomada. Até o momento, também não há nenhuma menção sobre o retorno nos canais oficiais da prefeitura.

O CMJ de Mariana atuará, segundo Wagner, na Casa dos Conselhos, anexa à quadra do bairro Rosário. Ela foi inaugurada este ano, por meio da Secretaria de Desenvolvimento Social e Cidadania (Sedesc). Até o dia 24 de maio, o dia da entrevista, as reuniões estavam ocorrendo virtualmente, com pessoas que foram indicadas para representantes tanto do governo quanto da sociedade civil. Não há divulgação de quem são essas pessoas.

Entretanto, o contato com os movimentos sociais jovens marianenses não se efetuou anteriormente a essa data, informação confirmada pelo próprio presidente do conselho. Ele convidou os jovens e os coletivos a participarem do CMJ e orientou ir à Casa dos Conselhos caso haja interesse. 

Em Mariana, existem programas de políticas públicas voltadas para algumas idades da juventude. O Centro de Referência à Criança e o Adolescente (Cria) engloba jovens de 15 a 17 anos e crianças e oferece atividades de recreação, esportes, informática e educação para a cidadania.

O secretário de Desenvolvimento Social e Cidadania, Walber Luiz da Silva, também ressaltou a importância do ProJovem, que atende a juventude inserida entre 16 a 21 anos. “O principal objetivo é oferecer qualificação profissional aos jovens e inseri-los no mercado de trabalho”, afirma.

Uma sala, que tem uma mesa e uma cadeira vazia. Na parede atrás está escrito “jovens”, “crianças”, “foco”, “união”, “vida”, “educação”, “CRIA”, “respeito” e tem a ilustração de uma bola de futebol.
Sala do presidente do Conselho Municipal da Juventude, Wagner Flávio, na Sedesc. Foto por: Lívia Gariglio

Por outro lado, no Centro de Referência da Assistência Social (Cras), existe o Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV), que é um programa do Sistema Único de Assistência Social (Suas).

A Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais (TNSS) separa em idades a atuação do Cras. Na faixa etária da juventude de 18 a 29 anos, dentre outras atribuições para o serviço, o SCFV deve: “contribuir para a ampliação do universo informacional, artístico e cultural dos jovens, bem como estimular o desenvolvimento de potencialidades para novos projetos de vida, propiciar sua formação cidadã e vivências para o alcance de autonomia e protagonismo social, detectar necessidades, motivações, habilidades e talentos”. Porém, em Mariana, não há nenhum projeto do Cras voltado para esse recorte populacional.

“Isso é realmente o que está posto, nas orientações, nas normativas. Na prática, a gente tenta garantir isso, mas esse público que é jovem, a gente não consegue fazer um trabalho focado no que deveria ser com a juventude”, lamenta Ednalva Silva, que atua na coordenação do Cras na cidade desde 2011. Ela propõe uma parceria da esfera pública, que deve ser autônoma, de acordo com ela, com os movimentos sociais jovens que se disponibilizarem para isso.
 

Impactos de participar de um movimento social

A psicóloga e pedagoga Regina dos Santos, que aborda terapia cognitiva comportamental com crianças e adolescentes, explica que na psicologia positiva existe um termo chamado “Flow”, que significa “experiências de fluxo”: “É um estado de alta concentração, alta energia e alto desempenho. Os projetos sociais são ótimos para se viver momentos de ‘Flow’". Ela informa que isso pode ajudar a controlar sintomas de ansiedade e depressão.

 Além disso, ela interpreta que os jovens que participam de um projeto social inspiram outros a fazerem o mesmo. Regina conclui analisando que o protagonismo juvenil propicia a formação de pessoas autônomas, socialmente comprometidas e mais solidárias.