Jovens atletas relatam mudanças em suas rotinas devido a pandemia da covid-19 em 2020 e comentam como se deu o retorno das competições em 2021.

As promessas do esporte brasileito sentiram diretamente o impacto do contexto pandêmico.

Por: Davi Guimarães Silva e Pedro Paulo Rocha da Silva

Desde o início da pandemia do novo coronavírus no país, em março de 2020, se instaurou uma série de mudanças na rotina dos brasileiros. Toda a realidade que era vivenciada pela população precisou ser adaptada ou até interrompida, e com o esporte não foi diferente. Com a proibição de eventos que demandam grandes públicos, o futebol sofreu grandes impactos financeiros: competições foram paralisadas, dispensa de jovens das categorias de base, alojados nas instalações dos clubes, perda de receitas de patrocínio e cotas de TV, dentre outros problemas.
Para os atletas em formação, essa pausa foi repleta de desafios na preparação de quem busca atingir o mais alto patamar profissional: atuar em grandes competições, por clubes organizados e competitivos.  Yago Cavalcante Carrijo, goleiro de 16 anos que atualmente joga pelas categorias de base da Portuguesa Santista (e com passagens pela Associação Atlética Francana, Desportivo Brasil, Corinthians e Botafogo de Ribeirão Preto), relata que a incerteza causada pela pandemia afetou diretamente sua saúde mental, o que acabou interferindo nas suas preparações e treinos durante o começo do período pandêmico. “Minha saúde mental foi afetada por causa da incerteza que foi gerada, muitos contratos foram rescindidos e eu acabei perdendo o emprego (no Botafogo de SP)”.

Goleiro YagoO goleiro Yago Carrijo atuando pela Portuguesa Santista. Foto: Arquivo Pessoal

O jovem guarda-redes também contou que, no início da pandemia, seus treinos e suas preparações também foram afetados, já que ele não sabia a melhor maneira de lidar com aquela situação, mas depois o quadro foi revertido graças a um suporte para continuar focado.. “Em relação aos treinos, a paralisação me afetou no começo. Mas consegui voltar a treinar para estar melhor quando a situação se normalizasse”.
Além de Yago, Pedro Lucas da Silva Nunes, atleta de 20 anos que já jogou pelo time handball  do Instituto Federal do Espírito Santo (IFES) e pela equipe Lions Hand, também comentou sobre os efeitos gerados na sua estabilidade mental devido a mudança em sua rotina causada pela pandemia. “Afetou minha saúde mental, sim. No início da pandemia, pensávamos que ela não duraria muito tempo, porém, quando formos nos dar conta, já tinha se passado um ano. Competições que já estavam marcadas foram canceladas e nosso calendário foi todo reprogramado. O fato de estarmos perdendo um ano para competir em nossa categoria deu uma desanimada.”

Pedro Lucas Lions HandAtleta Pedro Lucas realizando jogada de ataque com a bola pelo Lions Hand. 
Foto: Arquivo Pessoal

Pedro e Yago não são casos isolados. Em estudo realizado pela pesquisadora clínica Megan Roche, candidata a doutorado em epidemiologia na Universidade de Stanford (EUA), foi divulgado que entre 131 esportistas (os quais responderam um questionário de 30 perguntas) um  em cada cinco deles relatou falta de motivação para treinar em meio às restrições impostas na pandemia. “O estudo trouxe a clareza de que a covid-19 teve amplas implicações na comunidade atlética, particularmente quando se trata de saúde mental”, diz a estudiosa.

Problemas para além da saúde mental
Infelizmente, a saúde mental não foi o único empecilho na rotina das jovens promessas, que tiveram de conviver com a dificuldade nos treinamentos após a saída das dependências dos seus respectivos clubes. Para Guilherme Buranelli, garoto de 16 anos que é ex-jogador de futebol do Francana e que hoje atua no América, de São José do Rio Preto (SP), a rotina de treinos foi muito prejudicada pela pandemia e pelos problemas causados por ela. “A maioria do time não mostrou interesse em treinar durante a paralisação devido ao pouco suporte que o clube oferecia (Associação Atlética Francana)”. Além disso, os treinos passaram a ser realizados de maneira individual e isso complicou ainda mais a rotina dos atletas que tiveram de adaptar as atividades para o ambiente doméstico, acrescentou Guilherme.

Atleta Guilherme BuranelliAtleta Guilherme Buranelli em atuação pelo América de Rio Preto - SP.  
Foto: Arquivo Pessoal

Outra consequência das paralisações foi a perda de receita pelos clubes.Em reportagem publicada pelo jornal Opção, foi divulgado que nas categorias de base do Goiás Esporte Clube, por exemplo, a pandemia afetou diretamente na revelação de novos atletas, que é grande parte da renda financeira do time. Com a paralisação da Copa São Paulo de Futebol Júnior (principal competição de futebol de base do país), as possíveis vendas de atletas para outros clubes, a partir da atuação dos olheiros, ficou estagnada, o que afetou drasticamente as condições econômicas da equipe.
 Esse é o retrato da maioria dos clubes do Brasil. Não são todos que têm o privilégio do zagueiro João Tornich, mais conhecido como Alemão, jogador do Corinthians, que conta com uma estrutura invejável para se desenvolver, além de receber todo o suporte necessário durante o período afastado do Parque São Jorge. 
“A relação entre os atletas, o time e a organização permaneceram, mas através de videochamadas onde eram feitas palestras, treinos e reuniões. Houve bastante suporte nesse momento delicado onde o time disponibilizou apoio de profissionais que nos auxiliaram tanto em treinos e atividades físicas, quanto em palestras e psicólogos para o desenvolvimento mental. Minha saúde mental não foi afetada. O clube disponibilizou auxílio psicológico uma vez por semana, fazendo com que não houvesse resultado negativo nas preparações e treinos, nos mantendo focados”, relatou o defensor João.

Retorno
Felizmente as competições retornaram, por mais que tenha demorado cerca de um ano para isso, e seguindo todos os protocolos sanitários para preservar  a saúde dos atletas. O ano de 2021 foi marcante por ter se tornado recheado de jogos e competições visando regular o calendário esportivo, o que certamente exigiu muito mais da condição física dos atletas. Em 2022, o principal torneio de base do país está de volta, e a expectativa para essa fase final de maturação para chegar aos profissionais está recheada de expectativas e sonhos por parte dos atletas.
“A volta das competições foi sensacional. Era uma obsessão pra mim. O que eu mais queria. Os objetivos aumentaram ainda mais porque teoricamente o tempo de chegar no profissional está mais curto, mas também será mais gostoso de conquistar pelo esforço ter que ser maior,” comenta Yago, o jovem goleiro que voltou a competir em 2021 e já faturou o prêmio de melhor da posição no campeonato paulista sub-17.
Para Guilherme Buranelli e Pedro Nunes, o sentimento é parecido, já que essa volta estava sendo esperada pelos atletas há meses.  “É uma sensação inexplicável. Porque você mantém o foco durante todo esse tempo pra chegar o momento de ser reconhecido, o que dá mais sentido pras coisas. O desempenho e o foco aumentam”, relatou Guilherme.
Para Pedro, foi a melhor sensação possível entrar na quadra depois de mais de um ano parado: “Foi um ano difícil pra todo mundo, sem treinar direito e ainda muitos perderam pessoas queridas. Além disso, olhar no rosto dos organizadores das competições e ver a felicidade deles de poderem fazer com que elas voltassem foi muito bom.”
A pandemia trouxe inúmeras perdas para toda a população, porém, os jovens atletas, o futuro do esporte no país, conseguiram se reinventar em meio às adversidades impostas pelo momento vivido, o que ressalta algo em comum entre os mais variados esportes: a capacidade que os atletas têm de serem persistentes em meio às diversas dificuldades para atingirem seus objetivos.