Longe de casa: Os efeitos do distanciamento do seio familiar na saúde mental dos universitários

Como a mudança brusca de rotina e cotidiano afeta o jovem que sai de casa em busca dos estudos.

Por Larissa Arruda

Aluna de pedagogia na Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), Fernanda de Freitas, 21, não teve dificuldade em escolher Mariana (MG) como a base de sua graduação. Com parentes em Ouro Preto, a meia hora de distância, e conhecimento prévio de ambas as cidades, ela se adaptou bem não só ao curso como à república estudantil onde mora até hoje. Entretanto, o que agora é uma vida universitária e social tranquila, nem sempre foi assim. Seu primeiro período na universidade, em 2019, foi marcado pelo sentimento de solidão e falta de suporte, agravados pela distância da família e rotina corrida de aulas e avaliações, ambos fatores que contribuíram para seu já existente quadro de transtorno de ansiedade, cujos efeitos colaterais foram confundidos com um problema cardíaco, ao ponto de um eletrocardiograma ser feito. Outros problemas vieram com seu quadro: Fernanda não só teve que lidar com crises de ansiedade, mas a compulsão alimentar a fez ganhar 8 quilos, em três meses.
 

Ansiedade, depressão, síndrome do pânico, a lista de transtornos mentais que a mudança brusca de cenário e cotidiano podem fomentar não tem fim, especialmente no jovem que se encontra sob a pressão da vida universitária e longe do seio familiar, e, de acordo com a psicóloga Ana Luiza Portela, se deparando com o desconhecido e incerto. Para ela, quando um jovem se afasta de seu meio, qualquer ilusão de controle é perdida. Logo, “a ausência da família e de uma rede de apoio tem consequências negativas, podendo levar a um adoecimento psíquico”. O encontro com outros estudantes na mesma situação, que proporcionam uma rede de apoio, assim como a criação de uma rotina, são pontos que Ana Luiza destaca como essenciais para a superação desse desbalanceamento. A futura pedagoga Fernanda, que veio de Carvalhos, no sul de Minas Gerais, afirma que sua adaptação foi mais fácil por ter escolhido morar em uma república estudantil, que forneceu apoio e acolhimento para ela.

Fernanda, à direita, na sacada da república estudantil onde mora. Foto: Larissa Arruda

Ficar perto de casa, porém, nem sempre é possível. Miller Henrique, nativo de Três Pontas (MG), teve que aceitar muito cedo que teria que se mudar para outra cidade em função da continuidade dos estudos. A natureza universitária de Mariana, assim como o tamanho da cidade – que conta com cerca de 60 mil habitantes – foram essenciais para a escolha: “Eu acabei escolhendo a UFOP por ser (sediada em) uma cidade pequena; como eu ia morar sozinho, achei que seria uma experiência menos traumática, menos assustadora”. 

Entretanto, nem todos puderam se preparar para essa mudança, como Miller. Natural de São Paulo mas morando no Norte de Minas Gerais há mais de dez anos, Izabela Gonçalves queria permanecer perto de casa, mas sempre teve seu coração focado no jornalismo. Apesar de sua cidade, Montes Claros (MG), contar com duas universidades públicas, a ausência desse curso no local e a não-aprovação na UFMG, universidade mais concorrida do estado, a levou para Mariana, há mais de oito horas de distância de casa, onde agora é estudante da UFOP. Sem nenhum conhecido na cidade, a incerteza sobre como se estabelecer não foi sua única preocupação: mesmo depois de se instalar, a adaptação foi difícil, com grande abalo em sua saúde mental. A saudade e o medo, unidos à pressão de ter feito a escolha de sair de casa e não conseguir se manter firme, foram potencializadores.

Izabela, no centro-esquerda, junto aos colegas no Instituto de Ciências Sociais Aplicadas, campus da UFOP. Foto: Larissa Arruda

O Perfil Socioeconômico dos Universitários, levantamento feito pela Associação Nacional de Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), de 2018, apontou que a Região Sudeste concentra o maior número de graduandos com dificuldades emocionais que interferem na vida acadêmica – 87,2% dos entrevistados, seguido dos 85,3% da Região Sul. No Brasil, 63,7% dos alunos alegam nunca ter procurado atendimento psicológico. Além disso, para 23,7% dos estudantes ouvidos no levantamento, os problemas na saúde mental afetam seu aprendizado, em contraste com a saúde geral, associada com a dificuldade acadêmica por apenas 5,9% dos entrevistados. A pesquisa também abordou dados sobre o pensamento de morte, associado à depressão, que prevaleceram na Região Sudeste e entre estudantes na área de Humanas.
 

Fonte: Imagem usada na V Pesquisa Nacional de Perfil Socioeconômico e Cultural dos (as) graduandos (as) das IFES (2018).

A pandemia do Covid-19, que levou a UFOP a interromper as aulas presenciais em 15 de março de 2020, foi potencializadora na deterioração da saúde mental dos estudantes. Muitos ficaram impedidos de retornar às casas de suas famílias por meses, e mesmo os que conseguiram voltar não fugiram do sentimento de solidão. De acordo com a “Global Student Servy” (Pesquisa Global dos Estudantes) realizada pela Chegg, empresa amerinada de tecnologia educacional, em 2021, 73% dos brasileiros sentiram que sua saúde mental foi afetada durante a pandemia – mais do que qualquer um dos outros 21 países estudados – sendo que 87% sentiram aumento de estresse e ansiedade. 

Sair de casa não é uma decisão fácil, seja qual for o cenário, e fazê-lo sob a sombra da rotina universitária e início da vida adulta torna a experiência ainda mais difícil. O apoio distante da família, mesmo que constante, não é o suficiente para manter o sentimento de estabilidade. Um abalo na estabilidade mental é normal e esperado nessa fase, e, para a psicóloga Ana Luiza, pode ser enfrentado com a adição de elementos familiares na rotina, como fotografias e livros, com a designação de um espaço próprio para o estudo e com a aproximação de outros estudantes que passam pela mesma situação: o apoio mútuo é essencial, e, uma vez que o distanciamento é comum a todos, é mutuamente benéfico. Além disso, o acompanhamento psicológico é uma alternativa não só para indivíduos com suspeita ou confirmação de transtornos na saúde mental, e, no meio universitário da UFOP, é gratuito e acessível através do site da Pró-Reitoria de Assuntos Comunitários e Estudantis (Prace).