Marianas, mulheres que inspiram: empreendimentos femininos para além da sororidade e cooperação

Empreendedoras marianenses são inspiração para outras mulheres que buscam começar seu próprio negócio e conquistar a independência financeira de maneira criativa.

Por: Jade Iasmin e Matheus Camargos.

Giovana Sacramento, a esquerda, entrega a camiseta com a nova logo do Marianas Mulheres Que Inspiram para a Adrea Andrea.Giovana Sacramento, a esquerda, entrega a camiseta com a nova logo do Marianas Mulheres Que Inspiram para a Adrea Andrea. Foto por: Jade Iasmin.

“O que a gente quer mesmo é protagonismo, porque o protagonismo vai nos dar liberdade e é isso o que a gente sonha para as mulheres”. Essa fala da coordenadora do grupo “Marianas, Mulheres que Inspiram”, Giovana Sacramento, 39 anos, define bem qual é o desejo das empreendedoras associadas ao grupo. A iniciativa começou com um encontro despretensioso na varanda da casa da fundadora do “Marianas”, Marciele Delduque, logo após o rompimento da barragem do Fundão, e atualmente é reconhecida como a primeira aceleradora de negócios femininos de Minas Gerais.

O rompimento, ocorrido no município de Mariana, em 5 de novembro de 2015, atingiu dezenas de distritos e cidades dos estados de Minas Gerais e do Espírito Santos, dentre eles Bento Rodrigues (MG), território pertencente a Mariana (MG), que sofreu uma perda ambiental, humana e material imensa. O desastre socioambiental cometido pela mineradora Samarco Mineração S.A, atualmente controlada através de uma joint-venture entre a Vale S.A. e a BHP Billiton, foi o maior do país no setor de mineração, com o lançamento de cerca de 45 milhões de metros cúbicos de rejeitos no meio ambiente, atingindo a Bacia do Rio Doce. Segundo a Procuradora da República e coordenadora da Força-Tarefa Rio Doce, Silmara Goulart, o território atingido pela lama da barragem é proporcional à área total de países europeus. “O desastre que arrasou não apenas Mariana, mas toda a bacia do Rio Doce, uma área equivalente a Portugal, continua aqui. Cinco anos depois, nada está concluído, tudo está por fazer”, diz a Silmara Goulart em reportagem publicada pela Agência Brasil, em 29 de outubro de 2020.

Nesse cenário de destruição e crise financeira, o movimento que estava surgindo entre as microempreendedoras marianenses foi de extrema importância para auxiliar no fortalecimento pessoal e econômico das mulheres que foram afetadas, diretamente e indiretamente, pelo desastre ambiental que aconteceu na região.  “Ter as Marianas para mim como líder de outras mulheres naquele momento foi muito importante. Eu tive consultoras que viram seus maridos sem empregos por causa da questão da barragem, que era o ganha pão em casa. Eu precisei primeiro me fortalecer para poder fortalecer toda minha equipe e buscar novas habilidades, buscar ações para poder levar várias consultoras para o campo de ação. E o grupo foi muito importante, ali eu aprendi com outras empreendedoras, outras empresárias”, assim relata Patrícia Luíza Alves, consultora de beleza, diretora de vendas da empresa Mary Kay e uma das associadas ao grupo das “Marianas”, 37 anos, ao falar da importância que o grupo Marianas Mulheres Que Inspiram teve na sua vida após o rompimento.

Por causa do sofrimento de muitas mulheres afetadas pelo crime ambiental, o grupo cresceu ainda mais, devido às necessidades emocionais e financeiras das mulheres atingidas. Atualmente, o movimento se expandiu e já são mais de 800 mulheres empreendedoras que se apoiam em uma rede jurídica, artística, comercial, entre outras, que veem na criatividade e na inovação uma saída para a crise econômica. 

Até 2016, o movimento era conhecido como Mulheres Que Inspiram, e o termo “Marianas” só veio a ser acrescentado ao nome do grupo com o entendimento da importância de valorizar a interação que havia entre as empresárias interessadas no fomento econômico dos negócios das marianas. "A gente começou assim: vamos dar prioridade pro grupo, toda vez que eu precisar de um produto, vou buscar dentro do grupo", contou Giovana Sacramento, ao relatar o que é necessário para ser uma empreendedora do “Marianas”.

O início

O grupo “Marianas Mulheres Que Inspiram”, iniciativa de Marciele Delduque, atual presidente da Central Única de Favelas (CUFA), em Minas Gerais, e mentora de alto impacto do Sebrae Delas, é a confirmação de que mulheres, ao se unirem, tornam-se agentes transformadoras, superando as suas adversidades. De acordo com a coordenadora Giovana Sacramento, o grupo começou com uma média de 15 mulheres, em uma conversa despretensiosa na varanda da casa da fundadora Marciele, onde elas falavam “um monte de nada e um pouco de tudo”, relata Giovana. 

Com o sucesso das primeiras reuniões e a vontade de empreender das novas microempreendedoras, surgiu em outubro de 2020 a Casa das Marianas, nova sede da aceleradora de negócios idealizada por e para mulheres, localizada em Passagem, distrito criativo de Mariana. O espaço, além de ser destinado à capacitação das associadas na área de marketing digital e consultoria financeira, oferece também atendimento psicossocial e jurídico. Para além disso, o local serve como acolhimento, onde mulheres vinculadas ao projeto podem desenvolver seus trabalhos, receber clientes e fomentar parcerias. 

O “Marianas” surgiu como um momento de descontração, tornando-se, após alguns cafés entre mulheres, um grupo de sororidade e empoderamento feminino. Mulheres que antes não sabiam como ter a própria renda, passaram a se descobrir através do exemplo de outras mulheres do grupo que já tinham os seus próprios empreendimentos e, assim, passaram a acreditar em si mesmas após as reuniões. “A gente sempre tá tendo essa troca e ajudando umas às outras. Tem espaço para todo mundo”, contou uma das associadas, Adrea Adriana, proprietária do espaço de festas “Cantinho Verde”, atual sede do grupo, localizado no distrito de Passagem de Mariana.

O projeto vem colhendo bons frutos, bem como o número alto de seguidores nas redes sociais e o fortalecimento dos empreendimentos de artesãs, cozinheiras, confeiteiras, consultoras de belezas e das demais associadas. No mais, há novos planos para a associação, um deles é a criação de um grupo de empreendimentos voltado exclusivamente para o público do sexo masculino e alcançar ainda mais mulheres que desejam se arriscarem no mundo dos negócios. “Temos como objetivo alcançar ainda centenas de mulheres, sair um pouco da nossa região [Mariana] e alcançarmos mulheres empreendedoras em todos os estados brasileiros. Esse é nosso trabalho, esse é o nosso propósito e temos isso enquanto meta até o final de 2023, impactar mais de 3000 mulheres", afirma Marciele Delduque, 41 anos, fundadora da rede Marianas Mulheres Que Inspiram.


Marciele Delduque, fundadora do Marianas Mulheres Que Inspiram, na sede do grupo em Passagem de Mariana. Foto/Reprodução: Instagram.Marciele Delduque, fundadora do Marianas Mulheres Que Inspiram, na sede do grupo em Passagem de Mariana. Foto/Reprodução: Instagram.

Jornada dupla e as dificuldades de empreender para mulheres

Segundo dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em seu Relatório Global de Salários de 2018, no Brasil, a brecha salarial entre homens e mulheres é em torno de 25%, portanto, o empreendedorismo feminino e a cooperação entre essas mulheres se torna essencial para a sobrevivência e o crescimento desses negócios. 

Fora isso, a união dessas mulheres pode ajudar a encarar outras dificuldades que empreendedoras enfrentam, bem como a jornada de trabalho dupla, o preconceito, a falta de incentivo e taxas de juros mais altas. A coordenadora do “Marianas”, Giovana Sacramento, diz que a mulher, para ser protagonista da sua história, precisa ter poder aquisitivo nas mãos. “Se ela depender do marido, do pai, do governo, de alguma coisa, ela não tem poder de decisão". A união das associadas ao Marianas Mulheres Que Inspiram tem o objetivo de apoiar e encorajar iniciativas empreendedoras, construindo mulheres protagonistas de sua vida financeira.

Uma pesquisa feita pelo Monitoramento de Empreendedorismo Global (GEM) apontou que, em 2017, as mulheres dedicaram-se aos cuidados de pessoas e afazeres domésticos cerca de 73% mais horas do que os homens. Essa pesquisa também mostrou que pessoas do sexo feminino têm empreendido tanto quanto homens quando falamos de negócios em estágios iniciais. Esse resultado reflete a busca das mulheres por uma colocação no mercado de trabalho que permita o equilíbrio entre a vida profissional e pessoal. Deste modo, o grupo serve como incentivo e apoio para que, além de começar a empreender, essas mulheres mantenham seus empreendimentos vivos.

Grupo Mariana Mulheres Que Inspiram comemorando o dia 26 de agosto, o Dia Internacional da Igualdade Feminina. Foto/Reprodução: Instagram.Grupo Mariana Mulheres Que Inspiram comemorando o dia 26 de agosto, o Dia Internacional da Igualdade Feminina. Foto/Reprodução: Instagram.