Movimento antivacina no Brasil: entenda esse fenômeno e seu fortalecimento durante a pandemia.

Negacionismo científico, contexto político e medo dos efeitos colaterais são fatores favoráveis para o crescimento do movimento no país.

Por: Isadora Lúcia e Laura Fernandes

movimento antivacina

 

O movimento antivacina do Covid-19 no Brasil, é uma oposição à vacinação pública, e baseia-se principalmente no negacionismo científico, fenômeno resultante do anticientificismo presente no país. O Brasil foi apontado como o país onde menos pessoas acreditam ou têm confiança na ciência, segundo a última pesquisa realizada em 2019, antes mesmo da pandemia, pelo Pew Research Center, centro de pesquisa americano. O estudo foi baseado em entrevistas com 32 mil pessoas de 20 nacionalidades diferentes. Em geral, o contexto político e sociocultural da mídia e da política são fatores determinantes na escolha de se imunizar ou não, aponta a professora de metodologia científica e pesquisadora do movimento antivacina, Glícia Salviano Gripp. Além disso, há também o medo dos efeitos colaterais da vacinação.

A pandemia do coronavírus foi um fator de fortalecimento para ideais negacionistas que influenciam e fomentam o movimento antivacina. O crescimento desse fenômeno também pode ser atribuído a teorias conspiratórias e ainda à relação da população com o governo. Há uma postura desrespeitosa do presidente em relação à gravidade do vírus desde o início do período pandêmico no Brasil. Durante um pronunciamento em cadeia nacional de rádio e tv, em março de 2020, Jair Bolsonaro declarou que o coronavírus era apenas uma “gripezinha”. Essa foi apenas uma de muitas falas negacionistas manifestadas pelo presidente. 
O cientista político e pesquisador do fenômeno, Guilherme Casarões, em entrevista a BBC News, em abril desse ano, afirmou que “quando o presidente Jair Bolsonaro ergueu uma caixa de cloroquina a seus apoiadores, havia uma estratégia política por trás: ele estava praticando ‘populismo sanitário’ ou ‘populismo médico’. 
O termo refere-se a uma tendência comportamental adquirida por lideranças políticas diante de uma emergência de saúde pública em que o líder populista, falando em nome do povo, atropela técnicos e cientistas e perpetua uma situação de pânico moral. Assim, Bolsonaro propagou o uso de medicação não comprovada para o tratamento da Covid-19, causando desinformação, simplificando a crise sanitária do país e criando divisões que desviam as pessoas de questões mais urgentes. 

Dessa maneira, a adesão à vacinação da população está relacionada com a confiança da população de um país em seu representante. A professora Glícia Gripp acredita que o que está acontecendo, atualmente, no Brasil é uma campanha de desinformação contra a vacina. “Se nós tivéssemos um governo que fizesse campanhas incentivando a população a se imunizar, nós não teríamos esse tanto de gente não querendo vacinar durante a pandemia, isso é certo”, diz a pesquisadora.

Outro aspecto que pesa na decisão de não se vacinar é o medo dos efeitos colaterais. Porém, segundo a médica e diretora da Sociedade Brasileira de Imunizações, Flávia Bravo, nenhuma vacina é isenta de efeitos adversos e só são aprovadas aquelas cujas reações forem raras. Elas podem ocorrer com qualquer produto, explica a médica, como alimentos e medicamentos, que possuem mais efeitos colaterais do que vacinas. ”Mortes causadas por eventos adversos são praticamente zero, e ocorreram por esses eventos não terem sido acompanhados de perto e tratados corretamente”, esclarece Bravo.

Traduzindo a ciência 


O movimento antivacina vem ganhando visibilidade através de polêmicas, quando consegue fazer barulho através de processo de desinformação que basicamente se dá por meio das mídias sociais. “A linguagem antivacina é muito básica, qualquer um entende. Em contraponto, a científica é de mais difícil entendimento. Precisa-se falar com dados que atinjam a maior parte da população”, aponta a médica Bravo. 

Segundo ela, outro fator relacionado ao crescimento do movimento antivacina são as  opiniões divulgadas irresponsavelmente que resultam na perda do medo da doença. “Se eu começo a receber diversas informações e não tenho o conhecimento científico, isso acaba me influenciando, então eu acredito que é melhor não me arriscar”, explica, relacionando-se ao pensamento das pessoas que exitam tomar a vacina. 

O jornalismo de divulgação científica, de forma didática, pode ser uma medida fundamental a ser adotada, a fim de evitar que notícias sem explicações científicas se espalhem. Para Bravo, também é extremamente necessário um posicionamento mais sensato da mídia sobre a divulgação de notícias sobre a vacinação e seus aspectos mais relevantes, como os efeitos colaterais, que têm papel decisivo na aderência das pessoas à vacina. “Quando se trata de efeitos colaterais e riscos relacionados à vacina, um caso que ocorre fica parecendo uma regra, mas é só um caso de evento adverso no meio de milhões de vidas que foram salvas por causa da vacina”.


Esperança


Apesar do negacionismo persistir no cenário pandêmico do país, no fim do mês de  agosto de 2021, o Brasil chegou à marca de 25,8% de pessoas totalmente vacinadas, segundo o Our World in Data. O ideal para o controle da doença é a taxa de, no mínimo, 75%, de acordo com a médica Bravo. Pesquisa realizada pelo DataFolha, em dezembro do ano passado, aponta que 23% da população rejeitava a ideia da imunização, porém, dados levantados no último mês de julho mostram que houve uma mudança de perspectiva. Já que agora, segundo levantamento também do DataFolha, esse número caiu para apenas 5%. Como afirma a especialista Flávia Bravo. “Tem a possibilidade de redenção, são pessoas que podem mudar de ideia, não devemos perder a esperança". 

Além disso, existe um grande percentual de brasileiros que veem a vacinação contra o coronavírus de forma otimista, como a professora de inglês, Rebeca Fagundes, de 20 anos, moradora de Ouro Preto, Minas Gerais. “Quando nos vacinamos, estamos ajudando toda a comunidade. Esse foi o meu pensamento quando me vacinei, além da minha imunização ser uma contribuição social”, relatou. Para ela, o processo de imunização por vacinas é a melhor opção agora, a forma mais segura e eficaz de proteção. O dia que se vacinou contra a covid-19 foi muito importante para a professora, e ela usa sua experiência para encorajar outras pessoas a se vacinarem. “Não é preciso ter medo ou acreditar em teorias da conspiração. Pesquisem, busquem canais seguros de informação e entendam as explicações, como a dos efeitos colaterais da vacina, há justificativas plausíveis. Relaxa aí, eu não virei jacaré e você também não vai”, diz, referindo-se a uma fala negacionista do presidente Bolsonaro, na qual ele afirmou que ao tomar a vacina, não há garantia de que ela não transformará quem a tomar em “um jacaré”.

De onde  vem o movimento antivacina


O movimento antivacina, em geral, não é um fenômeno novo. Possui raízes no século 19, quando surgiu a primeira liga antivacina de que se tem notícia no mundo, no Reino Unido, contra a vacina da varíola. Já no início do século XX, no Brasil, ocorreu o movimento  “revolta da vacina", que foi um motim popular, que aconteceu na cidade do Rio de Janeiro, no qual a população protestou contra a anti-varíola.

Mais recentemente, no final dos anos 90, uma pesquisa feita pelo pesquisador inglês, Andrew Wakefield publicada na revista científica The Lancet, tentou fazer uma relação entre a vacina tríplice e o aumento de casos de autismo. A comunidade científica nunca apoiou essa pesquisa, que foi comprovada uma fraude. Mesmo assim, o artigo se espalhou pelo mundo e foi trazido para o Brasil por Olavo de Carvalho, médico que teve o diploma cassado pela Justiça, mas ainda é um dos grandes difusores de ideais  negacionistas no país. A pesquisadora Gripp lembra que “grupos contrários às políticas sanitárias, numa crise, sempre existiram”.