O desafio de costurar a vida por entre as montanhas de Minas

 

Persistência na arte para além das dificuldades: os obstáculos cotidianos enfrentados pelos artesãos de Mariana (MG)

Por: Júlia Raydan Diab

Feira Marte. Créditos: Júlia RaydanDescrição: A imagem mostra a fachada da loja da associação Feira Marte. A frente do estabelecimento é azul e branca, e possui duas janelas com artigos artesanais pendurados. Na porta de entrada há uma faixa escrita " Artesanato". 

Entre imagens barrocas, casas coloniais e igrejas seculares há cores e texturas. As ruas estreitas de Mariana são atravessadas pelos produtos manuais que vão desde de panos de prato, ímãs, tapeçaria e bordados, até esculturas de pedra sabão e talhados de madeira. 

Em meio a todos esses artefatos está Maria do Carmo, 69, artesã marianense que se encontrou na arte do bordado e do crochê aos 17 anos. Hoje ela faz parte da associação de artesãos Feira Marte, presente na loja física localizada atrás da Praça Gomes Freire, um dos principais pontos turísticos da cidade que atrai pessoas de diversas regiões. “A gente costuma receber mais gente de fora do que pessoas da própria cidade. Os turistas costumam aparecer mais na época do inverno, nas férias de julho, e se interessam mais por lembrancinhas como ímãs, chaveiros e objetos estampados escritos “Mariana”", diz a artesã.

A manifestação cultural por trás do artesanato possui um grande significado na história brasileira. A prática, iniciada pelos indígenas, revela usos, costumes e tradições de cada região. É um trabalho habilidoso e detalhista que garante o sustento de muitas famílias e comunidades. Porém, Maria e sua parceira da associação, Neuza da Silva, afirmam que viver apenas do artesanato é muito desafiador. “Não dá muita renda e nem lucro. Os materiais que a gente usa para fazer estão cada vez mais caros. Você vai fazer uma blusa de crochê e acaba gastando 200 reais só de material, mas precisa vender por um preço baixo porque se não também não vende”, afirmou Neuza, ao mostrar a blusa de crochê com a qual conseguiria lucrar apenas 30 reais. 

Coronavírus: ameaça para arte, ameaça para vida

A associação de que as duas participam já se estabeleceu em diferentes pontos da cidade, e também é responsável pela feirinha que ocorria todo domingo há mais de 30 anos na Praça da Sé, mas que foi interrompida durante a pandemia de COVID-19.

Elas comentam que antes do vírus a movimentação nas feiras era muito maior, mas, hoje, mesmo com a retomada segura dos eventos presenciais, a circulação de pessoas não é mais a mesma, fazendo com que as vendas estejam ainda em declínio. 

"Antigamente movimentava mais, antes da pandemia. Agora esse mês as coisas estão começando a voltar, mas durante a pandemia não vendíamos nada, ficamos até fechados”, disse Maria.

Maria do Carmo e Neusa da Silva na loja da Feira Marte. Créditos: Júlia Raydan.Descrição: na foto há duas mulheres encostadas no balcão da loja. Atrás delas há quadros e outros produtos artesanais da loja

A permanência no meio artístico

Além da Feira Marte, os artistas de Mariana se reúnem em outras associações, como é o caso da Associação Marianense de Artistas Plásticos (AMAP). Localizada no “Atelier e Casa dos Artistas Mestre Ataíde”, é um “espaço de cultura e arte viva”, como definiu Geraldino Pereira da Silva, presidente da associação e grande artista da casa. Ao ser questionado sobre o funcionamento do ateliê, Geraldino reforça que um dos problemas é a pouca permanência dos artistas no local. “A associação precisa que os artistas fiquem mais na casa, até o prefeito já falou com eles (...), mas poucos vêm. Viver só da arte é difícil, então têm muitos artistas que não podem ficar, pois possuem outros projetos paralelos com a arte.”

O presidente relata esse problema com chateação, pois a ausência dos artistas faz com que de tempos em tempos a casa fique fechada, perdendo a visitação de turistas e as vendas das obras.

Obras de artesanato da AMAP. Crédito: Júlia RaydanDescrição: Na foto há esculturas femininas de gesso pintadas e dispostas em uma mesa. No segundo plano da imagem há quadros pintados pelos artistas.

A presença do trabalho manual nos distritos

Os distritos marianenses também são grandes focos do artesanato. Boa quantidade dos produtos vendidos na cidade são produzidos em Cachoeira do Brumado, distrito que também foi atingido pelo rompimento da Barragem do Fundão em 2015

O desastre ocorrido deixou sequelas irreparáveis na cultura do município e na história de vida dos atingidos, fazendo com que, mesmo após quase 7 anos da tragédia, a população precise ir às ruas lutar por uma indenização justa. 

Foi o que aconteceu na quinta-feira, dia 19/05. Os atingidos realizaram uma manifestação pacífica próxima à mina Del Rey, em Mariana. Entre as reivindicações dos moradores de Cachoeira estava o desemprego e a ausência de turistas após o rompimento, pois eles movimentavam a economia e eram os principais consumidores dos dois principais produtos locais: o tapete de sisal e as panelas de pedra artesanais. Essa falta de compradores compromete o sustento das famílias que dependem desse artesanato para viver, além da história e manutenção dessa arte tradicional.

A desvalorização do artesanato

Os artesãos marianenses, apesar de produzirem produtos diferentes, possuem um sentimento em comum: todos sentem que seu trabalho é desvalorizado. “O povo da cidade não se interessa por artesanato, não valoriza, acha muito caro. Preferem comprar pela internet”. A afirmação de Andreia Simone Figueiredo, artesã e dona do estabelecimento “Ponto das artesãs”, comprova o que muitos outros artistas da cidade relataram. 

Todavia, o fato de as pessoas da cidade pouco consumirem os produtos não significa que os turistas agem de forma diferente. “Mariana não tem nada que atrai turista. E, quando eles chegam, param em Ouro Preto primeiro e vêm pra cá com guia turístico, passam aqui em excursão, fica lotado de turistas, mas os guias não deixam eles entrarem na loja, passam com eles voando”, relata Simone. 

Ela ainda contesta a administração atual da cidade. Afirma que a desvalorização do artesanato se dá, também, pela falta de incentivo da prefeitura, que sempre realiza eventos em locais distantes das lojas e, quando realizam, geralmente são shows, mas, de acordo com ela, “quem vem para show não vem pra ver artesanato”

Os produtos que ela mais vende para a população são justamente os menos tradicionais. E foi observando essa recorrência entre outros artesãos da cidade que a professora de jornalismo da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) Denise Prado Figueiredo escreveu os artigos: “Artesanato e mídia: quando o midiático atravessa o tradicional” e “Midiatização, consumo e práticas culturais artesanais”.  

Eles abordam sobre os objetos artesanais que remetem a personagens caricatos da mídia atual que são encontrados no meio dos produtos das lojas tradicionais de artesanato da cidade, questionando a influência da mídia e sua produção de massa nesses meios.

A pesquisa de Denise contribui para a perceber que a produção desses artefatos remetentes a personagens midiáticos é uma forma que esses artesãos estão encontrando para atrair maior atenção para seus trabalhos, expandir o público e, possivelmente, suas vendas.

A esperança equilibrista 

Assim como Maria do Carmo, Neuza e Geraldino, Simone alega que se sustentar em Mariana apenas com o artesanato é muito difícil. Com o alto custo de vida da cidade, Simone, funcionária pública aposentada, conta que, se não fosse pela aposentadoria, não conseguiria manter o seu negócio: “O que vende não dá para pagar o aluguel”. 

Mesmo sabendo disso, ela relata ter criado o espaço na intenção de ajudar e apoiar outras artistas que, ao contrário dela, não conseguem pagar o aluguel de uma loja física. 

O Ponto das Artesãs funciona, então, como uma rede de apoio para os outros artistas exporem seus trabalhos. Essa ideia surgiu da esperança que ela possui na arte. Por isso, mesmo com todas dificuldades, Simone afirma com um sorriso no rosto: “Eu tenho esperança que as coisas melhorem. Acho que estou aqui mais pela esperança, pelo otimismo”.

Ponto das Artesãs. Créditos: Júlia RaydanDescrição: Na imagem há o interior da loja. Ele é constituído por um balcão de vidro no qual há diversos produtos artesanais, como panos de prato, crochês bordados. No primeiro plano da imagem se vê desfocado uma boneca feita de EVA e uma escultura “namoradeira”.

 

Mapa interativo das lojas de artesanatos em Mariana: 

" title="Mapa das lojas de artesanato em Mariana">">Mapa das lojas de artesanato em Mariana