Os desafios e a adaptação na volta às aulas presenciais em São José dos Campos

Educadores da rede municipal de ensino de São José dos Campos (SP) relatam como enfrentaram as dificuldades e o reaprendizado no retorno ao convívio em sala de aula

Por Emi Luara

Foto: Adenir Britto/Prefeitura Municipal de São José dos Campos.Professor e estudantes durante aula presencial em escola municipal de São José dos Campos.

As atividades nas escolas municipais de São José dos Campos (SP) voltaram a ser integralmente presenciais em novembro de 2021. Desde fevereiro do mesmo ano, foi adotado o retorno não obrigatório e gradual, com frequência semanal e revezamento de turmas. De acordo com informações colhidas no site da Prefeitura, todas as medidas de retorno às aulas presenciais foram baseadas em três eixos: protocolo sanitário, com máscaras de tecido para alunos, professores e equipe gestora, face shield (para professores e equipe gestora), tapetes sanitizantes, termômetro para medir a temperatura, distanciamento de 1,5 metro entre os estudantes, álcool em gel 70% e sanitização periódica para garantir a segurança de alunos e servidores em geral; orientação às famílias, que inicialmente puderam optar pelo retorno presencial; acolhimento dos alunos para retomada da rotina educacional. Entretanto, o Sindicato dos Servidores Municipais de São José dos Campos e os profissionais da educação relataram dificuldades em relação à organização, recursos oferecidos, manutenção da própria segurança e, sobretudo, da saúde dos alunos.

Relatos

O professor de ciências, da Educação de Jovens e Adultos (EJA) e Ensino Fundamental na rede municipal, Lucas Monteiro, 27 anos, classificou a volta às atividades presenciais como “bastante caótica, pela falta de socialização de informações por parte da Prefeitura até o retorno efetivo ao trabalho”, e também, pela divulgação sobre o retorno, na mídia local, antes da divulgação aos professores. Lucas pontuou também que, em geral, foi “preocupante e amedrontador” saber que professores, atendendo às mesmas atividades que ele, estavam se contaminando e, até mesmo, falecendo.

Ao ser questionado sobre as dificuldades enfrentadas pelos profissionais, o docente ressaltou que os alunos voltaram muito agitados depois de mais de um ano de ensino remoto. “Estranharam voltar à rotina de estudo e aulas, à socialização depois de saltos no desenvolvimento físico e psíquico, e muitos e muitas apresentaram questões psicológicas”. A seu ver, não houve grandes planos ou estratégias para lidar com esse ponto, ou elaborar saídas.

Segundo o professor, inicialmente, o retorno para todos em 2021 se mostrou como “algo irresponsável, pois a pandemia não havia regredido em alto nível e os estudantes contavam com apenas a primeira dose da vacina”. Aliás, o retorno se mostrou um risco desnecessário, afirmou, justamente por ocorrer no fim do ano letivo, sendo assim as maiores dificuldades se relacionaram ao comportamento dos alunos, principalmente para seguir os protocolos sanitários e retomar a rotina. Mas, para Lucas, apesar do “ziguezague” de decisões da Prefeitura, que em maio de 2020 convocou os professores para trabalhar presencialmente e adiou esse retorno para junho do mesmo ano, retomou as aulas presenciais como facultativas em fevereiro de 2021 e obrigatórias nove meses depois, o retorno não é ruim, pois traz de volta a essência do trabalho dos educadores, com mais contato e interação com os estudantes.

A professora Brenda Letícia de Souza, 29 anos, professora contratada temporariamente, confirmou que professores de prazo determinado tiveram de retornar às atividades presenciais antes dos efetivos e acrescentou que eles realizaram entrega de marmitas nas escolas, atividade que foge à sua função. “A gestão chegou a declarar que se estivesse insatisfeito, poderia procurar a iniciativa privada. Foi uma sensação de menosprezo com a categoria, como se fôssemos inferiores”, disse a docente.

Ela contou também que os equipamentos e procedimentos prometidos pela Prefeitura, como máscaras, face shields, tapetes higienizadores, sanitização dos ambientes, distanciamento, dentre outras medidas, apenas foram entregues quando houve o retorno integral ao ensino presencial, em novembro de 2021. Em relação ao distanciamento, ela pontuou: “Não teve distanciamento. Que distanciamento? O distanciamento era só na hora da refeição, porque dentro da sala de aula, a Prefeitura declarou que tinha distância de um metro, mas não tinha. O distanciamento, no máximo, era de cinquenta centímetros”.

Ambos os professores entrevistados ressaltaram que, entre as dificuldades do retorno presencial, estavam as questões de saúde mental dos estudantes, que muitas vezes apresentam ansiedade e depressão. Segundo a professora, alguns até esqueceram como se comportar e se relacionar em sociedade. Já no aspecto do aprendizado, houve também muitos desafios, visto que, diversos alunos não realizaram com afinco, por mais de um ano, as atividades online e os professores tiveram de retornar a questões básicas do conteúdo.

Em resumo, nas palavras de Brenda, “a dificuldade é essa”. “Você tem que lidar com um aluno que perdeu totalmente a noção de estudo, de disciplina de estudo. Você tem esse aluno que tem dificuldade de interação, esse aluno que também está ansioso e depressivo. Você tem que trabalhar um conteúdo aglutinado, dois anos em um. Então, até você conseguir recuperar o conteúdo do ano passado, que muitas vezes ele não aprendeu, toma tempo”. 

A professora desabafa: “Você está em várias frentes, é o social, é a questão do aprendizado, é questão do afetivo porque esse aluno precisa de um apoio. São várias frentes sem o tempo do professor, porque você não tem tempo de lidar com tudo isso e acaba tendo que escolher com o que você vai lidar primeiro”.

Panorama da situação

Em maio de 2020, ainda no início da pandemia de Covid-19, professores efetivos da rede municipal de São José dos Campos receberam a convocação para retornar às escolas, apesar das aulas presenciais estarem suspensas. Ademais, professores contratados em regime temporário tiveram de retornar no dia 22 de abril de 2020 e os estagiários pedagógicos já estavam de volta desde o dia 30 de março de 2020.

Após protesto entre os funcionários, o retorno foi adiado pelo prefeito Felício Ramuth (PSDB) para 03 de junho de 2020, o que ainda se mostrava um risco, já que a cidade estava com alta no índice de casos e os alunos não atenderiam às atividades presenciais. De acordo com o site da Prefeitura de São José dos Campos, a Secretaria de Educação e Cidadania considerou a volta dos profissionais necessária ainda em 2020, pois as escolas municipais disporiam de todo aparato tecnológico para a elaboração do conteúdo que seria disponibilizado aos alunos, como estrutura para produção de vídeo aulas.

O retorno das aulas presenciais para os alunos da rede municipal de São José dos Campos ocorreu em 08 de fevereiro de 2021, de forma não obrigatória e gradual, com revezamento de turmas. A Secretaria de Educação contabilizava, em março de 2021, um total de 22 casos de alunos contaminados. A quantidade representa 0,03% dos 70 mil estudantes da rede municipal. Ainda de acordo com o monitoramento da Secretaria de Educação, o pico de casos positivos de profissionais de educação ocorreu em setembro de 2020, com 103 casos, período sem aulas presenciais, mas com serviços presenciais dos educadores.

A partir de 03 de novembro de 2021, o revezamento e a frequência opcional acabaram e as atividades presenciais se tornaram obrigatórias. Os educadores já haviam tido acesso às duas doses da vacina, por outro lado, a maioria dos alunos ainda estava com a vacinação incompleta, de acordo com o calendário de vacinação da cidade.

Sindicato dos servidores denuncia falta de transparência

De acordo com a professora e diretora de comunicação do Sindicato dos Servidores Municipais de São José dos Campos (SindServ), Jéssica Marques,  quando os docentes retornaram ao trabalho  presencial, pela primeira vez, ainda em 2020, as primeiras contaminações entre os educadores começaram a aparecer, inúmeros profissionais adoeceram e alguns faleceram. 

Ela elenca uma série de problemas desencadeados na ocasião: “O cenário de adoecimento da categoria, tanto com Covid-19, quanto por questões de saúde mental, a completa falta de responsabilidade da Secretaria de Educação e da Prefeitura de São José dos Campos ao impor o retorno presencial em plena pandemia, a falta de transparência nos casos de Covid nas escolas, a falta de investimento em internet e notebook para os alunos acompanharem as atividades remotas foram os principais problemas enfrentados pelos educadores nesse período”, pontuou a representante.

Quando questionada sobre as manifestações pelos direitos dos educadores no período da pandemia, Jéssica lembrou que “o SindServ, que também representa a educação municipal, desde o início da pandemia exigiu que todos os servidores tivessem direito ao trabalho remoto, inclusive com ações judiciais”. Mas, de acordo com a sindicalista, “não existiram canais de diálogo entre o Sindicato e a Prefeitura, que se negou a ouvir as demandas da entidade e da categoria”. “Quando o retorno presencial ocorreu, novamente não houve diálogo. Inúmeros ofícios foram enviados à Prefeitura solicitando reuniões, EPIs de qualidade aos trabalhadores, mapa das contaminações nas escolas e absolutamente tudo foi negado”, denunciou.

Sobre os protocolos sanitários exigidos, Jéssica apontou que os que foram apresentados pela Prefeitura “foram completamente insuficientes para barrar a disseminação do vírus nas escolas”, isto porque, segundo ela, não levaram em conta um dos principais protocolos, que é o distanciamento social. “A escola, por suas características estruturais e também pedagógicas, é um espaço de contato e, consequentemente, de aglomeração. Obrigar trabalhadores e estudantes a ficarem juntos, por horas, no mesmo espaço, mesmo com todas as outras medidas de protocolo garantidas, não é seguro”, reforçou. 

Pontuou também, que mesmo que a Prefeitura tenha elaborado um protocolo para a retomada das aulas, eles não foram cumpridos com exatidão, máscaras de qualidade não foram garantidas aos profissionais e estudantes, não houve aumento no número de funcionários da limpeza para dar conta das demandas de sanitização das salas, levando, inclusive a uma sobrecarga das trabalhadoras da limpeza. Para Jéssica, o mais problemático foi o fato de que não havia um protocolo adequado em casos de suspeita e contaminação nas escolas. As aulas continuavam normalmente, pois a Prefeitura só considerava como surto, e passível de fechamento, uma sala que tivesse mais de uma suspeita ou contaminação.

A Secretaria de Educação e Cidadania de São José dos Campos não retornou os e-mails enviados para responder às questões apontadas pelo sindicato, tampouco atendeu às ligações telefônicas para contato.

Os trabalhadores da Educação realizaram inúmeras manifestações durante o período pandêmico e ocuparam a Secretaria de Educação com cartazes e panfletos. O sindicato contratou um carro de som para informar a situação das escolas nos bairros e foram feitas carreatas com os professores. O SindServ realizou, ainda, audiências com o Ministério Público para debater sobre a situação das escolas e, mesmo assim, de acordo com a sindicalista, a Prefeitura foi “irredutível, sobretudo quando decidiu pelo retorno presencial dos alunos e alunas às escolas”.