Os novos rumos do mercado literário pelo comércio virtual durante a pandemia da Covid-19

Com migração para o meio virtual em razão da pandemia, livrarias enfrentam a concorrência com multinacionais, tentativa de taxação sob o preço dos livros e privatização dos Correios.

Por: Amanda de Oliveira Maia e Nikolle Gandra Nascimento

Com a divulgação da última pesquisa Produção e Vendas do Setor Editorial Brasileiro, ano-base 2020, foi apontado o impacto negativo sofrido no mercado literário, registrando uma queda de 6% no lucro total de vendas em relação a 2019. Realizada pela Nielsen Book, com coordenação da Câmara Brasileira do Livro (CBL) e do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL), a pesquisa também revela uma redução de 17,4% no lançamento de novos títulos em 2020. Entretanto, o mercado literário digital apresentou um desenvolvimento de 84%. No total, o setor movimentou aproximadamente R$3,7 bilhões no ano.

É possível notar esse quadro no setor, em conjunto com a pandemia e a crise econômica aguda, quando se observa que livrarias fecharam suas portas. Em Belo Horizonte (MG), a Livraria Páginas migrou totalmente para o digital, cinco dias após encerrar o atendimento em sua loja física, enquanto no Rio de Janeiro, a Alecrim arriscou-se no virtual desde o início para conseguir atingir seu público. 

Renascimento

Segundo a diretora da Livraria Páginas, Leida Reis, migrar para o digital foi a solução encontrada para a recém-inaugurada loja, em março de 2020. “Compramos um telefone e passamos a anunciar, nas redes sociais, as vendas pelo WhatsApp”, contou. 

A partir disso, o foco na criação de perfis em redes sociais para a divulgação e venda de seus produtos tornou-se essencial para o futuro da livraria. “Já sabíamos que as redes sociais seriam importantes na divulgação. Como boa parte do comércio começou a trabalhar no online, as pessoas foram se adaptando bem a isso.”

Apostando em conteúdos para o reels e posts interativos no Instagram, a Livraria Páginas apresenta um público fiel nas redes sociais. Assim, Leida explica que apesar de a Páginas ser a menor livraria de Belo Horizonte, a equipe busca inovar na divulgação dos produtos. “A intenção é ficar o quanto mais próximo dos leitores, chamá-los para o nosso lado, dialogar com ele.”

Entretanto, a concorrência que as livrarias independentes enfrentam contra multinacionais, como a Amazon, ainda é motivo de preocupação, já que a empresa movimenta hoje US $10 mil por segundo em 24 horas, de acordo com o jornal britânico The Guardian. “A concorrência da Amazon é predatória, pois consegue praticar preços mais baixos que as livrarias não conseguem. Todos sabem que a Amazon ganha dinheiro com outros produtos. Não é fácil essa concorrência”, afirmou Leida.

Resistência

Já uma das três coordenadoras da Livraria Alecrim,  Ana Carolina Xavier Leite, explica como o surgimento da livraria partiu de uma necessidade de se sustentar em meio a crise pandêmica em 2020. “Durante a pandemia, nós três - Carol, Andressa Xavier Leite e Roberto Dutra Borati - nos encontramos desempregados como outros tantos milhões de brasileiros. Não gostamos de colocar como uma ‘história de superação’ porque não é; é sobre sobrevivência mesmo”. 

Ela contou que o sócio Beto é livreiro e já havia trabalhado em outras livrarias e como os três possuíam um acervo pessoal grande de livros, decidiram colocar à venda os livros que possuíam. “A princípio, o Beto vendia para amigos e, com a pandemia, tornamos real a Alecrim. A escolha de ser 100% digital veio principalmente por ser o meio mais possível de fazer isso acontecer, ainda mais durante a crise sanitária.”

Sendo um dos setores literários que mais se desenvolveu em 2020, segundo a pesquisa Produção e Vendas, da CBL, representando 36% de crescimento nominal, o formato digital da Alecrim se mantém de forma ativa nas redes sociais, misturando doses de conteúdos literários e militância política. Possuindo um caráter assumidamente de esquerda, Carol vê, no compartilhamento de informações nas redes sociais da livraria, uma oportunidade de fomentar debates a respeito do setor e, especificamente, dos processos para a existência de livrarias do gênero. 

Além desses debates, a Alecrim também percebe as manifestações sociais em seu Instagram como forma de participar ativamente da política de seu país e combater a soberania de multinacionais estrangeiras, como a Amazon, que são uma das principais ameaças à sua existência. “Nós, como livrarias independentes, só temos a nossa voz. Só temos a nossa comunicação e não podemos esperar que empresas milionárias falem por nós, justamente porque querem a nossa extinção no mercado literário. A função política e social de ser uma livraria ‘combativa’ é a de conscientização para a nossa sobrevivência.”

Em meio a esse panorama, a Alecrim vê também a necessidade da criação do acesso a incentivos governamentais direcionados às pequenas livrarias para coibir as mazelas geradas durante a pandemia. Apesar da voz ativa e conscientização virtual, ainda há diversos desafios a serem enfrentados, e que, sem apoio efetivo do Estado, torna-se um caminho árduo. “O livro é de interesse público e manter a sobrevivência das livrarias independentes deveria ser importante para o país. Assim como a circulação do livro se torna mais acessível porque os correios sendo públicos tornam mais barato o transporte deles, outros incentivos para a valorização e a circulação poderiam ser implementados pelo governo”, comenta Ana. 

Não apenas para as livrarias independentes, mas também para a sociedade como um todo. Mesmo com a reaproximação de uma parcela da sociedade com livros durante o período da quarentena como forma de ocupar e descansar a mente, a crise atingiu a todos de maneira plural, resultando no encolhimento de vendas do setor. “Acredito que se não estivéssemos em uma situação de desemprego em massa, no mapa da fome novamente, as vendas poderiam estar melhores. Afinal é quase uma escolha entre comer ou ler para muitos brasileiros.” 

Sobrevivência

Nesse cenário, existem tentativas de resistência aos desafios impostos às livrarias independentes no país, como a privatização dos correios, taxação de livros e concorrência com multinacionais. Como a campanha “Adote Uma Livraria” criada pela editora Âyiné, que destina 35% do lucro das vendas do site às livrarias independentes, ou projetos  como o da Tag Livros, que  divulga em suas redes sociais nomes de livrarias menores para gerar visibilidade para elas. 

Já Leida Reis, da livraria Páginas, faz parte do projeto “Minas pelo Livro”, um grupo virtual que envolve cerca de 50 editoras do Estado de Minas Gerais, com a finalidade de compartilhar experiências e informações sobre o mercado e custos, além de ser um espaço para se expressar politicamente. “Enviamos à Secretaria de Educação de Minas cobrança em relação ao Kit Literário. Agora, entramos num manifesto nacional contra a privatização dos Correios.”, conta. O programa Kit de Literatura é uma política desenvolvida pela Prefeitura de Belo Horizonte  que busca a democratização da leitura, enquanto o manifesto nacional refere-se à união do grupo Libre, Coesão Editorial e Minas pelo Livro que contou com a participação de 83 editoras independentes contra a privatização dos Correios.