Reconhecida por lei: Passagem de Mariana é o primeiro Distrito Criativo de Minas Gerais

Iniciativa pode aumentar o turismo e melhorar a economia local

Por: Hynara Versiani

Vista de Passagem de MarianaVista de Passagem de Mariana / Foto: Hynara Versiani

A Lei nº 3.570, aprovada em 23 de maio de 2022, reconhece Passagem de Mariana como o primeiro Distrito Criativo do Estado de Minas Gerais. Não há conhecimento de outro município no estado que tenha criado uma política para implementação de um Distrito Criativo, e ser o primeiro a fazer isso coloca Mariana em posição de destaque e também de responsabilidade. A cidade pode ser um exemplo para o estado, sobretudo, para as cidades históricas e mineradoras, criando novas rotas de diversificação econômica e desenvolvimento local.

A lei reconhece o potencial da economia criativa de Passagem, que vai desde associações musicais e culinária de qualidade a uma associação de caçadores de assombração. Além de criar o Distrito Criativo, a legislação institui o Programa de Valorização do Patrimônio Cultural e o Programa Estratégico de Desenvolvimento Socioeconômico, que buscam zelar pelos bens culturais e criativos do distrito. A criação desses programas é reflexo da legitimidade institucional que a lei fornece ao distrito, além de demonstrar que as entidades envolvidas estão determinadas a fazer a região evoluir cada vez mais.

O sócio-diretor da Planeta Cultura e Sustentabilidade, Antônio Caeiro, foi uma peça crucial para a criação da Lei nº 3.570. Sendo morador de Mariana e tendo trabalhado por muitos anos com o desenvolvimento através da economia criativa e dos grupos culturais locais, “Toninho da Planeta”, como é conhecido, foi um dos idealizadores da lei. Caeiro relata que o principal desafio para sua oficialização foi o da maturidade construída em todo o processo. “Requer não somente tempo, mas capacidade de convergência, de diálogo, de realizar escolhas”, disse.

Clube Osquindô, espaço para leitura, brincadeiras e iniciativas artísticas, em Passagem de MarianaClube Osquindô, espaço para leitura, brincadeiras e iniciativas artísticas, em Passagem de Mariana / Foto: Hynara Versiani

Caeiro acredita que Passagem de Mariana seja um lugar propício para o desenvolvimento dessa iniciativa, e a classifica como um concentrador de iniciativas artísticas, que possui imensos recursos culturais. Para ele, o distrito oferece perspectivas em diversas áreas, seja na música, nas artes cênicas, na culinária, nas festas e expressões populares, e nos próprios ativos turísticos, como a Mina da Passagem. Mas relembra que esses recursos devem ser articulados e reposicionados, a fim de beneficiar esse potencial criativo do distrito.

A Lei nº 3.570 e o reconhecimento do local como Distrito Criativo são o ponto de partida para essa nova articulação. Segundo Caeiro, ela criará um ecossistema onde outras forças, como universidades, órgãos de desenvolvimento e empresas podem convergir. “O fomento deste ecossistema é o ponto onde estamos”, comentou. Caeiro acredita que a articulação de uma nova agenda de eventos de projetos contribuirá para uma aproximação cada vez maior da comunidade marianense.

Mas, afinal, o que é um Distrito Criativo?

Antes de qualquer coisa, é preciso saber um pouco sobre economia criativa. O termo surge pela primeira vez em 2001, no livro “Economia Criativa: como ganhar dinheiro com ideias criativas”, de John Howkins, publicado pela editora M.Books. O surgimento desse conceito une a cultura aos negócios, buscando explorar maneiras pelas quais os mais diversos territórios podem desenvolver sua economia a partir de capital intelectual. Isso inclui desde patrimônio histórico, como festivais locais, museus e bibliotecas, até criações modernas, como conteúdo digital, jogos e publicidade.

Quando um território utiliza seus recursos para estimular a criatividade das pessoas presentes no local, despertando interesse coletivamente e alavancando o desenvolvimento econômico e sustentável, ele se torna um território criativo. Assim, a definição não se limita a distritos, podendo também abranger regiões ou até mesmo cidades inteiras. Barcelona (Espanha), por exemplo, é uma Cidade Criativa Literária, e no Brasil, Belo Horizonte é uma Cidade Criativa Gastronômica, entre vários outros exemplos.

Quais os benefícios para Passagem de Mariana?

O reconhecimento de Passagem de Mariana como Distrito Criativo pode ser uma ferramenta para alavancar novos talentos locais. Segundo a professora aposentada Luiza Mazzarello do Nascimento, que lecionou na Escola Municipal de Passagem de Mariana por 25 anos, o potencial artístico de vários alunos não era aproveitado em razão da falta de oportunidades. Ela afirma acreditar que o caminho da música e das artes ajuda esses talentos a se desenvolverem, tendo utilizado instrumentos teatrais e musicais para auxiliar o aprendizado de seus alunos durante muitos anos.

Do Nascimento acredita que o potencial artístico dos moradores de Passagem pode ser impulsionado pelo desenvolvimento do Distrito Criativo, desde que haja interação entre as partes da comunidade. “Só aqui, em Passagem, há duas associações musicais, que são a Sociedade Musical São Sebastião e Sociedade Musical Santa Cecília. Se houver mais interação e união entre a comunidade, a escola e outras instituições, como essas associações e outras instituições externas, eu acredito que vá dar certo”, disse. A Lei nº 3.570 faz com que Passagem possa articular parcerias em diversos eixos, e esse reconhecimento do distrito pode trazer novos visitantes ao local. Porém, Antônio Caeiro destaca que é importante perguntar qual tipo de turismo é desejado pela comunidade.

Espaço Maria Sabão, dedicado a uma lenda do folclore local, em Passagem de MarianaEspaço Maria Sabão, dedicado a uma lenda do folclore local, em Passagem de Mariana / Foto: Hynara Versiani

O designer apaixonado por música e morador de Passagem de Mariana Carlos Eduardo de Oliveira Raimundo diz se incomodar com a falta de investimento nas qualidades do distrito. “Muita gente não consegue ver o talento dos jovens daqui”, relata. Além disso, mesmo morando na região, o designer confessa sentir falta de informações turísticas do local: “O pessoal só visita a Mina, não entra realmente no distrito. Mas há muita coisa para se visitar além dela, como o cemitério dos ingleses, as ruínas dos escravos… seria bom montar um tipo de portfólio que mostrasse esses lugares”.

Com a nova legislação, Raimundo acredita que mais pessoas de Passagem terão oportunidades para mostrar seus talentos: “Com esse reconhecimento, mais pessoas vão procurar saber sobre o distrito, e vão dar mais atenção para os jovens daqui que sonham em ter, por exemplo, uma carreira musical”. Pensando no futuro, o designer imagina a possibilidade de haver um evento anual de show de talentos, que serviria para dar visibilidade às pessoas que fazem do distrito um local cultural.

Segundo o sócio-diretor da Planeta Cultura e Sustentabilidade, em razão do possível aumento no turismo, outros aspectos que podem mudar no distrito estão relacionados à melhoria da infraestrutura urbana para o recebimento dessas pessoas, além da integração entre as diversas regiões do distrito. Levando todas essas metas e expectativas em consideração, Caeiro ressalta a importância de se considerar que a Lei nº 3.570 não é o ponto de chegada, mas sim o ponto de partida. A verdadeira trajetória de Passagem de Mariana como Distrito Criativo se inicia agora.