Por: Mariana Marques
Fredda Amorim (com o microfone) abre o debate, ao seu lado a mediadora Lorraynne Andrade, e Kassandra Muniz, professora de Letras. Foto: Mariana Marques
A mesa de debate “Epistemologias insurgente: transgressões e coletividades no campo de pesquisas”, que tratou sobre produções científicas críticas que desconstroem os padrões da academia como forma de revolução, foi mediada pela arte educadora Lorraynne Andrade, teve a participação da professora doutora Kassandra Muniz e da transativista, pesquisadora e mestra em artes cênicas Fredda Amorim. Aconteceu no auditório G20 do Instituto de Ciências Humanas e Sociais (ICHS), em Mariana, a partir das 19h sendo encerrada às 22h, no dia 25 de novembro.
O debate abriu o evento de quatro dias do Encontro de Pesquisas Práticas de Áfricas e suas Diásporas (EPPAD), de 25 a 28 de novembro. Fredda Amorim demonstrou na prática tal ação ao construir seu mestrado com fundamentos do feminino, renomeando em seu trabalho os capítulos que passaram a ser chamados capítulas, os corpos passaram a ser corpas. Já a professora e doutora Kassandra Muniz defendeu que a linguagem deve ser plural e abranger as especificidades de quem a usa, pois segundo ela: “Não posso usar uma linguagem que não me representa.”
O evento foi organizado por diferentes grupos da Universidade Federal de Ouro Preto, como o Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas (Neabi), pelo Coletivo Negro Braima Mané, pelo Grupo de Estudos Sobre Intelectualidades Pretas (Gesip) e pelo Grupo de Estudos em Linguagem Cultura e Identidade (Gelci). Teve como principal objetivo “a celebração”. Foi possível participar de minicursos, mesas de debates, palestras e exposições de trabalhos que abordavam diferentes subtemas da discussão étnico-racial dentro do espaço acadêmico.
Ressignificações de palavras e espaços
Performance para Exu com batuques abriu a mesa de debate. Foto: Mariana Marques
Com batuque e uma performance que convidava o orixá Exu para participar do debate, o evento começou mostrando ao que veio: trazer as ancestralidades negras à tona e incentivar as trocas de ideias, vivências e afeto. Fredda contribuiu ativamente com a mesa abordando questões que a afetam enquanto mulher trans e negra e como levar tais temas para dentro do meio acadêmico. Ela exemplificou com protestos e eventos do coletivo Queerlombos (o qual ela pertence), que iniciou com manifestações em frente aos restaurantes universitários para conseguirem usar os nomes sociais dentro da instituição.
Por meio dos eventos é possível levantar pautas a serem debatidas, Fredda defende que a universidade é um lugar para promover a mudança de dados estatísticos como os do dossiê de trans assassinadas no Brasil, que comprova que mulheres trans negras são as principais vítimas de violência física e com menos escolaridade, caindo novamente sobre um recorte racial. Ocupar os espaços acadêmicos e colocar em pauta questões como racismo e transfobia é, segundo ela, “um exercício de acreditar”.
Após a introdução de Fredda, foi a vez da professora doutora Kassandra Muniz, com a perspectiva de mulher negra acadêmica, contribuir com o debate, incentivando a produção científica com o argumento de que “se você não publicar, outra pessoa vai”. Ainda trouxe um conceito que foi trabalhado ao longo de sua fala: mandinga. O dicionário Aurélio dá o significado de bruxaria para a palavra, mas Kassandra o reconstrói ligando-a ao movimento: “mandinga é saber fazer movimentos, e a vida é movimento. Eles devem te levar às encruzilhadas, que ao meu ver, abrem caminhos e ampliam olhares. Isso é mandinga”. Com a mandinga é possível construir epistemologias pretas por carregar o saber da vivência, que para ela, vem antes do conhecimento que se aprende na escola.
A professora do departamento de letras também abordou a apropriação de ideias no campo de pesquisa, alegando que por mais que isso ocorra, um homem branco jamais vai poder falar no trabalho dele sobre a vida da mulher negra, como esta mulher poderia fazer. “Dentro do campo da epistemologia, para se usurpar algo da mulher negra é preciso entender a maçã”, exemplificou a partir de suas experiências pessoais.
A discussão contou com diversas citações de Bell Hooks (feminista negra), Lélia Gonzales (intelectual negra), e muitos causos pessoais de ambas participantes. Ao final ficou claro que as duas concordavam com a necessidade de ocupar espaços para tratar de temas raciais e lgbt fóbicos, apenas tomando estes lugares é que poderiam mudar paradigmas da linguagem e da academia para abranger as especificidades de todos. “Para que a mudança aconteça, nós temos que estar aqui, temos que produzir conteúdo científico a partir do que nos afeta e a partir daqui, nos tornar referência para os próximos que virão!”, declarou Fredda, erguendo a sua tese de mestrado sobre a arte de corpas transgressoras para a plateia.
Kassandra Muniz falando sobre o significado de mandinga. Foto: Mariana Marques
“Eu vivo de brechas, onde vejo um espaço para abordar cultura negra e autores negros eu faço, mas é muito difícil, porque normalmente a grade curricular tenta não permitir”, afirmou Kassandra em entrevista após a mesa, quando questionada sobre abordar o tema tratado dentro de sala de aula, como professora. Elas seguem reexistindo dentro da universidade e trabalhando para ser a referência que não tiveram, a fim de promover a mudança dentro da academia por meio de suas pesquisas.